Karen Jonz

Musicista e skatista, quatro vezes campeã mundial de vertical e primeiro ouro feminino dos X Games

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Karen Jonz
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

O skate é feminino

Karen Jonz estreia coluna na Folha durante as Olimpíadas

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Oi, eu sou Karen Jonz, nova colunista que veio falar de skate por aqui. Sou quatro vezes campeã mundial de vertical, primeiro ouro feminino brasileiro dos X Games, mas a primeira vez que eu subi num skate com 16 anos eu cai. Rompi o ligamento do tornozelo e fiquei imobilizada. No dia seguinte desse episódio, faríamos uma excursão com a escola, na qual eu não pude ir. Nessa época estava no último ano do colegial, tinha um namoradinho e era uma adolescente nada descolada. Nesse fatídico dia, voltando do passeio ele me traiu com outra menina, e a escola inteira (menos eu) ficou sabendo. Foi um trauma duplo, mas assim que eu melhorei tentei mais uma vez andar de skate, e dessa vez foi para sempre. Já o garoto nunca mais ouvi falar.

No início meu pai não me proibia de andar, mas também não me apoiava. Dizia que era coisa de puta. Eu queria muito saber de onde ele tirou essa ideia, pois era uma combinação no mínimo interessante para o final dos anos 90. Descobri por acidente, anos depois, que ele conhecia uma garota que andava de skate, e também fazia programas. Se por coincidência do destino eu não tivesse conhecido essa garota, ia até hoje achar que ele tinha inventado essa historia, mas era tudo verdade.

Os primeiros a aceitarem que a coisa do skate seria um caso vencido foram meus avós. "Já que você vai fazer isso, então que faça protegida pelo menos". Entramos no Golzinho dourado do seu Osmar, rumo a uma loja de equipamentos de ballet, que por algum motivo também vendia kits de proteção de patins. Esse foi o presente deles para mim. A motivação pode ter sido pessoal, pois eu sei que no fundo ainda tinham esperanças que eu mudasse de ideia e decidisse finalmente me candidatar a miss. Assim pelo menos poderiam garantir que minhas canelas não estariam completamente roxas. Mas enxerguei como demonstração de amor.

Uma jovem mulher está em um parque de skate, segurando um skate na mão. Ela usa uma blusa preta sem mangas e calças largas. O fundo apresenta uma árvore grande e uma cerca, com alguns veículos visíveis ao longe. A luz do sol ilumina a cena, criando sombras no chão.
Skatista Karen Jonz, quatro vezes campeã mundial de vertical e primeiro ouro feminino dos X Games - Arquivo pessoal

Comecei na rua, com meninos. Aos poucos fui conhecendo outras garotas que andavam também. Eu me questionava porque não via mulheres nas revistas e mídias especializadas, parecia que não existiam. Eu achava estranho, pois sabia de histórias de mulheres que já andavam de skate no Brasil desde os anos 70.

A resposta veio um tempo depois, quando conheci a zine/revista de skate feminino "Check it out", feito pelas próprias skatistas, pois as revistas da época não davam espaço para as mulheres. O mesmo acontecia com campeonatos. Poucos incluíam a categoria feminina e mais de uma vez, tivemos que organizar nossos próprios eventos.

A grande maioria das skatistas até meados da primeira década dos anos 2000 estavam saindo da adolescência e entrando na vida adulta. Muitas que conheci, chegando numa certa idade tiveram que parar de andar para ajudar em casa, coisa que eu não via acontecer com os garotos. Os ambientes de skate não eram exatamente convidativos a crianças, diria que muitos deles, hostis. Cenário que mudaria durante as próximas décadas.

Meu avô teve câncer e no fim não conseguia acompanhar os eventos, quando eu comecei a finalmente ficar no pódio. Me mudei para Califórnia para conseguir andar melhor, já que a situação das pistas no Brasil era bastante precária. A cada visita, trazia todos os troféus, medalhas e algumas histórias. Dava um jeito de adaptar a linguagem, com nomes complicados de manobras, para que ele e minha avó pudessem entender um pouco melhor, habilidade que me foi útil mais tarde em 2021, quando fui comentarista nas Olimpíadas de Tóquio e consegui transmitir ao público o skate com uma linguagem mais acessível.

Nos últimos 30 anos eu vi o skate feminino se construir, tijolinho por tijolinho. Cada vez que uma mina conquistou uma coisa para si, conquistou para todas. Cada pódio, cada patrocínio, cada espaço na mídia. Uma manobra por vez, dia por dia. Lenta e incansavelmente, geração apos geração deixando o seu legado, para que hoje fosse possível. Eu sempre sonhei que o skate pudesse trazer mais possibilidades para as mulheres. E hoje vivo esse presente. Não é todo mundo que em vida consegue assistir o que plantou frutificar. Eu estou tendo esse privilégio. Antes eu defendia o skate feminino. Agora eu apenas afirmo: o skate é feminino. E apesar de já ter começado a muito tempo, está só começando.

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