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Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

Descrição de chapéu Eleições 2020

Relações perigosas

A eleição de policiais e militares não é um atalho para cidades menos violentas

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É preciso atenção quando representantes do braço armado do Estado querem também o poder da caneta. As eleições de 2020 vão ficar marcadas não apenas por acontecerem em meio a uma pandemia, mas também pela guinada no número de candidatos policiais e militares. A legitimidade das demandas dessas categorias não deve impedir que se enxerguem os riscos que esse fenômeno representa.

Um total de 7.258 integrantes de forças de segurança são candidatos este ano, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último domingo (18). Dentre esses, 371 bombeiros militares, policiais militares, policiais civis e militares reformados tentam uma vaga nas prefeituras do país, número que representa um recorde em 16 anos.

Mais que isso, cresceu também a importância das forças de segurança para o processo eleitoral no país. O estudo estima que somados os profissionais da ativa e da reserva, e seus familiares, chega-se a 18,5 milhões de pessoas —9% da população— diretamente ligadas à “família policial”, que influenciam os rumos do país através do voto e da sua visão de mundo.

A entrada de policiais na política pode levar a uma espécie de sobrerrepresentação da categoria na discussão da segurança, como indica pesquisa do Instituto Sou da Paz sobre o Congresso Nacional. Isso é um problema quando significa que o debate do tema fica restrito a uma categoria específica em detrimento de uma participação ampla dos diversos setores da sociedade.

Profissionais da área de segurança não necessariamente entendem de políticas de segurança pública como um todo, sobretudo quando estamos falando de políticas municipais. A responsabilidade de prefeitos e vereadores é prevenir a violência, enfrentando suas causas, o que tem mais a ver com saúde, educação e urbanização do que com atividades das polícias.

As coisas ficam mais dramáticas quando as candidaturas são baseadas em promessas de soluções mágicas, como punir pessoas e crimes sem o devido processo legal e de maneira desproporcional. Estudo de 2018 mostrou algumas das consequências graves disso, como a relação entre a vitória de candidatos com discurso “lei e ordem” e o aumento de homicídios em regiões periféricas.

Outro problema é a politização das polícias. Candidatos das forças de segurança que não se elegem são autorizados a voltar às suas corporações, possibilitando que transformem a polícia em plataforma política. Basta lembrar cenas dos motins de policiais no Ceará no início deste ano para entender o que isso pode significar.

Eleitores precisam estar atentos às propostas desses candidatos e ao que de fato funciona para tornar cidades mais seguras. É preciso ainda olhar o histórico dos mesmos. Levantamento do Globo mostrou que no estado do Rio, mais de 30 PMs candidatos são réus ou já foram condenados em primeira instância, inclusive por crimes graves, como homicídios.

Faz-se urgente uma reflexão sobre as regras de saída e retorno de agentes das suas corporações para se candidatar. Uma proposta é a adoção de quarentenas eleitorais, ou seja, períodos de afastamento das funções públicas. Essas estratégias devem ser acompanhadas de iniciativas de valorização desses profissionais, que, com frequência, se queixam de não ter canais adequados para apresentar suas demandas.

A eleição de policiais e militares não é necessariamente um atalho para cidades menos violentas. Em alguns casos, pode significar o contrário. Se queremos uma sociedade mais segura, precisamos identificar e mitigar esses riscos.

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