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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

A rebelião das massas

Em países que levam a sério a democracia, convém escutar a decisão do povo na altura devida

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Em 2016, quando o Reino Unido se preparava para decidir sobre o brexit, o homem que me vendia jornais em Oxford confessou-me que iria votar pela saída. Ele, eleitor do Partido Trabalhista há mais de 40 anos, dessa vez concordava com os “tories”. Era preciso controlar melhor as fronteiras e recuperar a soberania política e econômica do país.
 
O referendo chegou. O brexit venceu com 17,4 milhões de votos. Mas o que se passou a seguir foi um dos espectáculos mais penosos da política contemporânea: o mesmo Parlamento que deu a palavra aos britânicos para que decidissem sobre o seu futuro pretendia agora revogar a gentileza, adiando ou sabotando a vontade popular.
 
Como se isso não fosse suficientemente grave, o circo midiático foi montando uma realidade paralela para reescrever a história recente: os “brexiteers” eram uma raça ignorante e mentecapta —ou, em versão mais suave, tinham sido enganados pela odiosa propaganda do “Leave”.

A hipótese singela de que os britânicos queriam sair da União Europeia porque queriam sair da União Europeia era uma evidência que não cabia na cabeça de ninguém. E assim se passaram três anos...
 
Quando, no verão de 2019, regressei a Oxford e visitei o meu “dealer” de jornais, tive poucas dúvidas de que os conservadores caminhavam para uma maioria absoluta. O pobre vendedor, com uma mistura de desprezo pelos deputados “remainers” e com uma vontade irreprimível de vingança, já só pensava em votar nos conservadores e, pior, em fazer campanha por eles, porta a porta. “É a democracia que está em jogo”, dizia-me ele.
 
Moral da história?
 
Os conservadores conseguiram a maior vitória eleitoral desde Margaret Thatcher. Motivos?
 
Sim, Jeremy Corbyn era um fóssil marxista que prometia transformar o Reino Unido numa versão mais suave da Venezuela. Sim, o partido trabalhista converteu-se num covil de antissemitas que Corbyn não soube, ou não quis, enfrentar.
 
Mas o motivo da derrota está na incapacidade de Corbyn para proferir quatro palavras democráticas: “Respeitarei a vontade popular”. Negando essa vontade, e até prometendo um novo referendo sobre o brexit, Corbyn entregou o seu destino à rebelião das massas. Uma rebelião que vinha em crescendo desde 2016 e que só um estado de cegueira institucional era incapaz de ver.
 
Negociar agora os termos do brexit com a União Europeia será tarefa para vários anos. E a espantosa vitória dos nacionalistas escoceses promete abrir uma nova “crise constitucional” com Westminster: depois do brexit, virá o Scexit?
 
Uma coisa, porém, ficou clara: em países que levam a sério a democracia, convém escutar a decisão do povo na altura devida. 

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