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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Descrição de chapéu

Joe Biden teve a humildade que faltou a Hillary Clinton

Na luta ideológica do século 21, esquerda e direita trocaram de lugares

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João Pereira Coutinho

Depois dessas alucinantes eleições americanas, será que ainda faz sentido falar em esquerda e direita? Ou, melhor dizendo, será que a esquerda e a direita ainda querem dizer a mesma coisa?

Os termos nasceram na Revolução Francesa, na Assembleia Constituinte, quando os apoiantes do “antigo regime” se sentaram à direita do rei e os opositores, à esquerda.

Essa mera coincidência acabou por forjar uma linguagem e um imaginário políticos: a direita defende a ordem, o privilégio, a riqueza; a esquerda está do lado dos “humilhados e ofendidos”.

Divisão esquemática, eu sei, que admite mil exceções e histórias alternativas. Mas, na imaginação ideológica, ela manteve a sua validade durante 250 anos.

Não mais. Em 2016, quando Donald Trump venceu a eleição, o candidato da direita era o escolhido pelos deserdados do país. Gente branca, rural, sem educação superior e pobre. Hillary Clinton se saía melhor entre a população urbana, universitária, com renda alta –você conhece essa história.

Ainda não temos números fiáveis para 2020. Mas as primeiras indicações reforçam esse quadro e incluem duas ou três novidades que mostram bem como as divisões ideológicas tradicionais estão fora de prazo: Trump, que continua popular entre as classes populares, melhora o seu score entre latinos e hispânicos.

Quer apostar em como esses latinos e hispânicos não são propriamente milionários com diplomas da Ivy League? Eis a luta ideológica do século 21: de um lado, a nova burguesia; do outro, o novo proletariado. Só que, dessa vez, esquerda e direita trocaram de lugares.

A esquerda se sai melhor entre a população metropolitana, educada e rica. As sobras –rurais, menos educadas, mais pobres– ficam para a direita. Moral da história?

A primeira, várias vezes escrita nesta Folha (ver aqui ou aqui) é que Donald Trump não é apenas um fenômeno, uma excentricidade, uma aberração que seria rapidamente derrubada (por impeachment) ou humilhada (em eleições).

Ele é o sintoma de um problema mais sério –uma fratura social e econômica que começou na década de 1980 e se aprofundou depois da crise financeira de 2008.

Está aí o resultado: Trump até pode perder a presidência. Mas a sua base eleitoral representa metade do país e continuará depois dele. Como afirma Samuel Hammond no “Guardian”, sublinhando precisamente a natureza “working class” do novo partido Republicano, o trumpismo ainda agora começou.

A segunda lição é que só é possível haver um mínimo de paz social entre esses dois mundos quando a distância que os separa começar a ser reduzida.

Joe Biden fez isso, ainda que por razões estratégicas: para reconquistar estados decisivos do Cinturão da Ferrugem (mas não só), Biden teve a humildade que Hillary Clinton não teve. Foi lá, falou com os “deploráveis” e estabeleceu pontes com a América esquecida.

Exatamente: aquela América onde estão os “humilhados e ofendidos” que a esquerda outrora conheceu.

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