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Economista, mestre em filosofia pela USP.

Para que serve um colunista?

Priorizar argumentos e respeitar a realidade é função do comentarista

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Nem só de notícias e reportagens vivem os jornais. Estamos afogados em fatos e dados. Isso vale tanto para os fatos e dados falsos, as fake news que jornalistas e checadores tanto se esforçam para corrigir, quanto para os verdadeiros. Há simplesmente muita informação sendo ofertada. Essa abundância, contudo, não é acompanhada de um aumento de capacidade de cada um de nós de entender, interpretar e julgar cada unidade dela.

Precisamos de ordem: cada um de nós tem uma visão de mundo e uma narrativa simplificada da história recente. É dentro de uma estrutura assim que informações esparsas passam a fazer sentido, como tijolos numa construção.

Uma narrativa pode se aproximar mais ou menos da realidade do que outra, mas não é trivial compará-las. Cada um dos tijolos ali pode ser retirado sem que a obra desmorone. Se alguém que mostra que a informação que você compartilhava sobre Bolsonaro era falsa, isso te leva a corrigir uma crença pontual, e não a revisar toda sua visão política.

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Aí entra o colunista —ou comentarista, analista, articulista— de opinião. Seu trabalho não é tanto trazer fatos novos, mas selecionar, interpretar e julgar os fatos, idealmente ajudando os leitores a entender melhor o que se passa. Isso é útil porque: 1) traz ao conhecimento do leitor fatos que, embora já públicos, ele talvez não conheça ou cujas implicações ele não tenha percebido (o que os números da economia significam? O que se conclui das nomeações do novo governo?) ; 2) ajuda-o a tomar decisões para sua vida ou a se posicionar sobre as questões que mobilizam a sociedade.

Ocorre que toda questão admite diferentes posicionamentos. Além disso, a mente humana não se guia espontaneamente pelas melhores evidências; ela busca confirmar crenças prévias —crenças que reforçam identidades pessoais, alinhamentos políticos, interesses econômicos. Com mais informação disponível, a mente de cada indivíduo tem mais opções para selecionar os pedaços que interessam, descartar os que incomodam e montar assim uma narrativa que lhe convenha. E o fará enquanto jura de pés juntos —até para si mesmo— estar apenas buscando a verdade.

Ser engenhoso em pegar os fatos novos —as notícias do dia— e encaixá-los em uma das narrativas dominantes é um trabalho em alta. Mostre que o seu lado está sempre certo e —mais importante— que o outro é um verdadeiro demônio. Dê à torcida tudo aquilo que ela quer. No limite mais baixo, até os fatos viram parte do jogo: forneça pretextos para rejeitar fatos indesejáveis e afirme com convicção fatos duvidosos —ou até patentemente falsos— que reforcem as convicções dos leitores. Você será amplamente recompensado; há mercado para quem for hábil nisso.

O mercado, contudo, não é o melhor guia para a verdade. Ao menos não no curto prazo. O comentarista que estimula os preconceitos de seus leitores faz deles cidadãos e pessoas piores. Em um momento em que a divergência aumenta e em que narrativas muito simplórias são reproduzidas como verdadeiras armas de guerra ideológica, penso que a postura contrária agrega mais: mostrar os limites, as nuances e mesmo as falhas das narrativas. Instigar o leitor a interpretar a realidade sem se deixar instrumentalizar por algum projeto de poder. Defender aquilo que se crê ser o melhor, mas de forma honesta: priorizando argumentos e respeitando a realidade acima de tudo.

Se ajudei os leitores nessa direção ao longo de 2022, cumpri meu papel. E, com todos os defeitos e imperfeições, é o que seguirei tentando em 2023. Feliz ano novo!

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