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Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

No cerrado, o dilema do paladar entre o aroma ou fedor do pequi

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Crédito: Valentina Fraiz

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Ainda com lembranças da rápida viagem que fiz em dezembro último à Rússia, vem-me à mente a visita ao mercado Danilovsky de Moscou, que, como tem acontecido em várias metrópoles, tornou-se um misto de bancas chiques de produtos de primeira e quiosques para refeições rápidas.

Não poderia ter um guia melhor ao longo de seus largos corredores: o chef Vladimir Mukhin, do premiado restaurante White Rabbit (e proprietário de vários outros, de diferentes estilos).

Seu entusiasmo tornou-se incontido especialmente diante de uma banca específica, a de picles e conservas, de uma família que ele considera ser a melhor do ramo. Provando-os, pude constatar a competência deles, expressa não somente nos legumes mais comuns para esse fim (pequenos pepinos e repolho), mas em alhos, tomates, folhas de uva, raiz-forte...

Esta acidez e este agridoce são o gosto definidor deste país, dizia o chef. O que me fez pensar -que gosto definiria outros países, Brasil inclusive?

No Brasil, com sua riqueza e variedade de paladares, é difícil encontrar um fator dominante. Há algo que me ocorre imediatamente, mas não é um sabor, é uma sensação tátil —a da untuosidade de pratos como feijoada, vatapá, tutu, pratos que fartam e quase transbordam a boca e o paladar.

Mas, pensando em sabores, a diversidade é tanta.

A acidez telúrica do tucupi tem muito pouco a ver com a untuosidade sem arestas da cozinha baiana ou mesmo de parte da cozinha mineira e paulista, assim como a ferina picância de regiões do Nordeste não se encontra mais para o Sul do país.

Já no Centro-Oeste, chega-me a nota de uma acorde amazônico, mas que é todo próprio —o amargor do pequi, da guariroba...

Numa época em que tive andanças frequentes por Goiás, o aroma do pequi, um fruto nativo do cerrado brasileiro, presente nas feiras, nos restaurantes, nas casas, dominava a primavera e a entrada do verão (enquanto a guariroba, mais discreta, não se impõe às narinas com o mesmo fervor).

Trata-se, o pequi, de um gosto adquirido, nada óbvio, e até agressivo para os noviços; enquanto os nativos do cerrado podem comê-lo cru ou cozido (atentos aos espinhos) e a qualquer hora do dia, para os novatos como eu são preferíveis doses mais homeopáticas —seu perfume acre no arroz de uma galinhada, por exemplo, onde não é o protagonista, pode ser magnífico.

Seu óleo, por sinal, é um ótimo veículo para seu sabor exótico, forma de acrescentar sutilmente este gosto do cerrado em diferentes pratos. Os amantes inveterados sentirão ali o gosto agreste, frutado e modestamente adocicado da terra virgem, que especialistas definiriam com termos barrocos como fundo de bosque, folhagem velha e úmida do outono, até couro de estrebaria —e os detratores resumiriam, horrorizados, apenas como fedor de esterco.

Pois é, como trufas brancas (que para muitos não passam de cheiro nauseante de gás), tucupi ou foie gras, também o pequi provoca reações extremadas. E mesmo quando, por curiosidade, fiz uma busca para saber como os entusiastas descreveriam seu sabor, nada encontrei de substantivo: apenas termos como "intenso, marcante, inconfundível"... haja gosto difícil de definir!

Ainda assim, se for aproveitar as férias para adentrar o Brasil —de Campo Grande a Pirenópolis, de Brasília a Abadiânia, ou a qualquer canto do cerrado—, eis aí uma aventura gastronômica a enfrentar.

A cada quinzena envio meu texto para a ilustradora Valentina Fraiz interpretá-lo e transformá-lo em imagens. Como primeira coluna deste ano, sugeri uma inversão —ela mandou um desenho (baseado no que faria em suas férias, eu sugeri), uma imagem que me dediquei a interpretar e "ilustrar" com meu texto. Ela teve a bondade de colocar em sua arte uma referência a um tema que me é caro, a gastronomia. Assim ficou mais fácil o desafio...

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