Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.
Se a ganância aquece o clima e mata o planeta, por que o futebol seria poupado?
Lavagem de dinheiro, propaganda de ditaduras, gentrificação, nada é por acaso
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"Ódio eterno ao futebol moderno", diz a máxima de quem tem saudades dos tempos do futebol-raiz.
Que acabou não é de hoje. Vem desde que a Fifa, João Havelange à frente, se transformou em enorme transnacional. Para o bem e para o mal.
Para o bem do futebol africano e asiático, para o mal como fator de exclusão do torcedor menos favorecido e como propaganda de ditaduras pelo mundo afora —ou como lavagem de dinheiro de empresas inescrupulosas.
O pior é que caminho sem volta, fruto do capitalismo selvagem, capaz de pisotear as tradições mais simples, como a entrada em campo de cada time por vez —um para ser ovacionado, outro para ser vaiado.
Os apelos por segurança e bom tratamento nos estádios se transformaram em expulsão dos excluídos, as arenas, 8 ou 80.
A globalização engoliu o romantismo, a "golbalização" criou a torcida nutella.
Celular em punho, mais importante é registrar o gol que comemorá-lo. E se o torcedor aparece no telão, mesmo que no momento da derrota, não faz mal, importa é sorrir para a posteridade. Está rindo de quê?
Se a ganância aqueceu o clima e mata no planeta, por que esperar que o futebol seria poupado?
A Parmalat/Palmeiras lavou dinheiro despudoradamente, a MSI/Corinthians era da máfia russa, a ISL/Fifa não passou de gangsterismo puro, a Crefisa vive de usura, o Império Britânico curvou-se aos petrodólares geridos por regimes autocráticos, misóginos e homofóbicos e o orgulho francês recolheu-se diante da mesma tentação.
Só não vale exigir heroísmo com pescoço alheio.
Jogadores e treinadores que enriquecem à custa do chamado "sportswashing" jamais abrirão a boca para denunciar a origem de suas fortunas, porque pouquíssimos são os que agem assim em outras profissões.
Que jornalista critica publicamente o veículo para o qual trabalha, por mais que discorde da linha editorial? E olhe que aqui, na Folha, pode, como a rara leitora e o raro leitor estão cansados de saber e ler.
O futebol é o maior filão da indústria do entretenimento, e a escalada, seja para passar pano em ditaduras, como na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, seja para limpar a barra do Qatar, como em 2022, mistura cifras milionárias com as piores formas de exploração —com trabalho análogo à escravidão, inclusive.
Nem por isso o futebol está morrendo, apenas se transforma, e as novas gerações, aculturadas pela "mudernidade", o cultuam e cultuarão no embalo do som das discotecas, mais alto que os coros dos torcedores.
Vá aos estádios e testemunhe: a distinta pessoa ao seu lado se divide entre o que acontece no gramado e a tela do celular. Tudo programado.
(O que lembra antigo anúncio veiculado em bondes e ônibus, genial, mas impensável nos dias que correm: "Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rhum Creosotado").
E se você estiver vendo o jogo pela TV, a divisão do jovem se dará entre as duas telas.
É tão certo como TikTok, para enlouquecer o Tico e o Teco.
Já dizia o célebre químico francês, e guilhotinado, Antoine Lavoisier (1743-1794): "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
Assim tem sido também com o futebol. E alguém dirá que natureza e capitalismo não se confundem, não são a mesma coisa, ao contrário.
De fato! Mas é o que temos.
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