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Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Evangélicos apoiarão golpe. A não ser...

Maioria se calará ou apoiará um ataque à democracia caso sua importância não seja reconhecida na prática nesta eleição

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Se o presidente Bolsonaro perder a eleição neste ano e decidir permanecer no poder, uma parte dos evangélicos celebrará a atitude e a outra permanecerá calada, o que favorecerá o eventual golpe. São mais de 60 milhões de brasileiros —mais de 30% da população— que, por motivos diversos, fazendo ou deixando de fazer, não defenderão a democracia.

"Muita gente está tentando analisar quais fatores têm levado tantos evangélicos a entender que o governo atual está mais alinhado com o modelo bíblico de humanidade e de sociedade, a ponto de, segundo dizem, estarem dispostos a apoiar novamente uma eventual ruptura com o Estado democrático de Direito", afirmou Cassiano Luz, diretor da Aliança Cristã Evangélica Brasileira.

Cassiano avalia o posicionamento dos evangélicos no golpe de 1964 para antever como o mesmo grupo se posicionaria em um cenário semelhante hoje. O apoio dos protestantes à ditadura militar foi legitimado, ele explica, "por uma interpretação literal do capítulo 13 da epístola aos Romanos, que diz: ‘Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas’".

O presidente Jair Bolsonaro (primeiro à direita) participa do culto alusivo ao 1º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos, em Goiânia (GO) - Alan Santos - 28.ago.21/PR

O pastor pentecostal Alexandre Gonçalves, líder do Movimento Cristãos Trabalhistas do PDT, consultou outros pastores e lideranças e concluiu que, hoje, a maioria dos evangélicos se calaria ou celebraria um golpe dado para impedir a posse de um candidato de esquerda. Caso aconteça um golpe, ele prevê que líderes pentecostais argumentarão que ele protegerá os valores cristãos. E as igrejas tradicionais se dividirão entre apoiar Bolsonaro ou ficar em silêncio.

Para Alexandre, o cenário mudou muito desde 2014. "Anteriormente, uma figura exótica como Bolsonaro não encontraria apoio entre os evangélicos, que sempre optaram por votar em pessoas de direita, mas moderados, como mostram suas principais escolhas desde Collor, passando por FHC, Serra, Alckmin e Aécio. Bolsonaro é uma novidade."

O teólogo e pastor batista Josenildo Miranda, que atua no interior da Bahia, vê coerência na aposta dos candidatos de esquerda de falar diretamente com os fiéis, ignorando lideranças e pastores que promovem a ideia de que a esquerda quer destruir as igrejas cristãs. "Quando converso particularmente com as pessoas, percebo que há aquelas que estão religiosamente alinhadas com os líderes pastorais, mas ideologicamente e politicamente não estão."

Mas essa vantagem, segundo Josenildo, existe quando as regras da disputa eleitoral se cumprem para garantir que o voto seja secreto. Sem essa proteção institucional, o evangélico pobre terá menos disposição para demonstrar sua insatisfação com questões da política.

Especialista no tema do cristianismo, o cientista político Vinícios do Valle, da USP, explica por que os evangélicos pobres têm pouco incentivo para defender a democracia. "Para quem não tem acesso a direitos civis básicos, tais como à integridade física, à igualdade perante a lei e o acesso à Justiça, uma eventual guinada autoritária não resultaria em imediata mobilização em prol das instituições democráticas."

A conclusão de que evangélicos apoiarão ativa ou passivamente um eventual golpe de Estado pode deixar alguns preocupados e outros animados, mas ela não é surpreendente. Só que esse apoio não significa que um grupo vasto e diverso de religiosos esteja sendo manipulado por suas lideranças.

A ligação da liderança evangélica com Bolsonaro influencia o posicionamento dos fiéis. Mas o voto do ministro André Mendonça contra o interesse do presidente —que o indicou para o cargo— no julgamento do deputado Daniel Silveira expõe como mesmo evangélicos conservadores não abraçam necessariamente o bolsonarismo.

Evangélicos querem ter voz no governo compatível com sua importância na sociedade. Apenas um candidato demonstrou essa disposição até agora. Por isso, em 2022, a atitude "paz e amor", que quer o voto evangélico, mas não demonstra como pretende incluí-lo nos debates de estado, não será suficiente para reverter a ameaça de que o país voltará a ser uma ditadura.

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