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Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Evangélicos marcharão por Jesus ou por Bolsonaro?

Marchas para Jesus em julho podem se tornar comícios bolsonaristas, mas o preço será desencantar fieis e reduzir o envolvimento deles com suas igrejas

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Especialistas, entre religiosos e acadêmicos, divergem sobre qual será o desdobramento da Marcha para Jesus neste ano eleitoral. Organizadores do evento de rua mais popular do calendário protestante no Brasil estão convidando Bolsonaro para comparecer. Independentemente de como a presença do presidente será recebida pelos participantes, a implicação a longo prazo dessa mobilização pode, como aconteceu nos EUA de Trump, afastar fieis das igrejas.

A Marcha para Jesus começou em 1993 a partir da iniciativa da igreja neopentecostal Renascer para Cristo. O pastor batista Davi Lago, que estava nesse primeiro evento, lembra que "no início, a Marcha tinha essa dimensão de ocupação do espaço público pelos segmentos evangélicos que estavam crescendo e se posicionando perante a sociedade brasileira. Era um momento de celebração de unidade também entre muitos grupos evangélicos."

Jair Bolsonaro durante a Marcha para Jesus, no Campo de Marte, em SP - Eduardo Anizelli-20.jun.2019/Folhapress

Mas na passagem dos anos 1990 para os 2000, Lago registrou mudanças de percepção entre os próprios evangélicos sobre o evento. "Começam a circular muitas críticas de que a marcha virou um mercado, uma coisa da indústria gospel. E também [a Marcha já estava ficando] bem politizada."

Estudiosa desse evento, a antropóloga Raquel Sant’ana explica que a Marcha surgiu durante um período de grande participação popular nas ruas do país, relacionadas à mobilização pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor. "A Marcha foi concebida como um ‘ato profético’, ou seja, uma retomada da cidade e do país pelos cristãos a partir de sua presença física e espiritual, ‘declarando’ profeticamente que o país é de Jesus."

O termo "ato profético" indica a relação da Marcha com a chamada "teologia da dominação", que procura ocupar espaços nas artes, na educação e também no campo político. "Desde que a Marcha começou, existe a presença de candidatos e lideranças eleitas," avalia o teólogo e professor de Ciências da Religião Kenner Terra, "mas essa declaração explícita de apoio ao bolsonarismo é algo novo."

Nas igrejas evangélicas históricas, fieis geralmente das classes média e alta e mais escolarizados antagonizam (mais ou menos) abertamente com os pentecostais, seus "primos pobres" e, ainda mais, com a associação entre prosperidade material e religião que caracteriza o neopentecostalismo.

Teólogo e pastor batista, Israel Mazzacorati revela estar intrigado com o envolvimento de movimentos evangélicos com o bolsonarismo. "Nós estamos falando de cristãos evangélicos de fato? Estamos falando de irmãos que estão equivocados? É difícil dar um nome para o que essas pessoas estão representando." Como outras lideranças ligadas ao protestantismo histórico, ele advoga pelo distanciamento entre religião e política. "A Igreja precisa ter uma isenção profética e, por isso, ela não deve se aliar a nenhum tipo de ideologia partidária."

Ao visitar a Marcha em São Paulo, em 2019, Bolsonaro foi recebido com os gritos de ‘mito’ junto com uma vaia grande e sonora. Mas para o sociólogo da USP Renan William dos Santos, o presidente deverá ser bem-vindo nas Marchas este ano porque os fieis descontentes ficarão em casa e pessoas que têm uma identidade religiosa difusa e não costumam ir ao evento devem comparecer motivados pela identificação com o bolsonarismo.

Renan, porém, explica que a consequência dessa associação pragmática entre religião e política no longo prazo produzirá efeitos semelhantes aos causados pelo envolvimento do trumpismo com a religião nos EUA. "A tendência é que isso gere uma crescente alienação dos fiéis que não se sentem engajados pela disputa política. O sentimento é descrito como ‘se é isso que é ser evangélico, então eu não sou evangélico’. Isso não significa abandono da fé, mas da identidade evangélica."

No Brasil, o crescimento de "desigrejados" já é um fenômeno observado em paralelo com o aumento do número de jovens "sem religião", que já supera o de católicos e de evangélicos.

Se as marchas de 9 de julho reunirem mesmo a maioria de evangélicos bolsonaristas, os analistas políticos poderão concluir, impressionados pela multidão nas ruas, que os evangélicos em peso apoiam Bolsonaro. Dados mais confiáveis vêm das últimas pesquisas divulgadas. Segundo o DataPoder, em 13 de abril Bolsonaro tinha 53% das intenções de voto de evangélicos e Lula, 24%. Em 22 de abril, o levantamento da XP/Ipespe apontou que Bolsonaro tinha 45% da preferência desse eleitorado e Lula, 34%.

Ou seja, há, sim, uma preferência pelo atual presidente, mas esse campo continua em disputa. Muitos evangélicos nunca participaram da Marcha ou se desinteressaram por ela. Esse afastamento resulta da percepção de que o evento atrai fundamentalistas, perdeu sua essência e se tornou uma plataforma para a promoção de artistas gospel e, mais recentemente, pela desunião que o debate político causou entre irmãos e irmãs em suas igrejas.

A participação numérica nas ruas deverá ser impressionante, mas ela deve ser vista também como uma performance, que chama a atenção das câmeras para um lado e esconde outros.

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