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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Não se faz justiça na vida, nem no jogo, com juiz suspeito

Partida bem jogada depende de regras claras e arbitragem isenta

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Desde antes de ser sapiens o homo já sobrevivia em bandos. Precocemente aprendeu que para conviver era preciso respeitar algumas regras. No princípio elas eram viscerais, meio que implícitas. Por exemplo, o respeito aos dominantes, fossem machos ou fêmeas, anciãos ou jovens. A regra do bando era dada pela tradição e pela ancestralidade.

Ao desenvolver cultura, a humanidade percebeu que eram necessárias regras explícitas para que houvesse interação social justa. A justiça passou a ser reconhecida por mecanismos automáticos ou intuitivos nas relações sociais, passando por instâncias como o tabelião, o jusnaturalismo, a divindade até chegar ao direito como ciência.

Estátua que representa a Justiça no prédio do STF, em Brasília - Alan Marques - 12.ago.13/Folhapress

Justiça é um conceito abstrato presente na filosofia, no direito, na ética, na moral e na religião. Da lei universal presente na religião à constituição que rege os Estados Nacionais, a base da justiça se fundamenta no respeito. Do conceito abstrato da justiça à sua aplicação há um sem-número de interpretações que levam à necessidade de um mediador: o juiz.

O poder de arbítrio de um juiz deriva inclusive de sua capacidade técnica acumulada ao longo de anos de dedicação a conhecer as regras e aplicá-las de forma honesta.

Ou seja, sobre a justiça de forma geral e sobre a pessoa do juiz em específico construiu-se e afirmou-se um imaginário que envolve os olhos abertos das deusas Têmis e sua filha Diké, na mitologia grega, para que tudo pudesse ser visto e então julgado com rigor.

Entretanto, a imagem que sustenta a tradição do direito no Brasil vem da mitologia romana, com a deusa Iustitia. Sua representação se encontra na frente do Supremo Tribunal Federal, é de uma figura com os olhos vendados (para que não se veja, mas se ouça atentamente) e sobre o seu colo se encontra a espada, símbolo da força que o direito representa para a sociedade.

É curioso observar que Têmis caminha junto com sua parente próxima Métis, a prudência. Lembrando que foi com a ajuda astuciosa de Métis que Zeus conseguiu vencer Cronos e conquistar o poder do Olimpo.

Seja pela força da regra ou por princípio moral, o respeito caminha junto com a justiça. Não é acaso que o respeito também seja um dos princípios olímpicos.

O respeito à regra é um dos fundamentos do esporte. É o que garante à manifestação do gesto técnico a sua condição de linguagem universal, independentemente do idioma entre os atletas. Porém, sabendo da possibilidade de litígio entre as partes envolvidas, o árbitro é presença obrigatória nas grandes competições.

Ao longo de um período acompanhei, como psicóloga, jovens tenistas, no início de suas carreiras. Na faixa etária em questão, não havia a presença de juízes de linha e quem definia as bolas duvidosas eram os próprios atletas. Ou seja, havia ali um princípio de conduta que, em tese, fazia parte da formação moral daqueles jovens.

Essa é uma prática comum também em outras modalidades, mas essa atitude tem sido cada vez menos frequente diante da falta de formação moral dos praticantes. Por isso a celebração de muitos quando um atleta aponta em erro que o beneficiava.

Afirmo uma vez mais que o esporte não é um fenômeno isolado da sociedade. Ele caminha a par e passo com as questões maiores do momento histórico em que se vive.

Não se faz justiça na vida, nem no jogo, com juiz suspeito. Jogo bem jogado depende de regras claras e arbitragem isenta. O exercício do direito ainda prevê instâncias de recurso para que uma decisão importante não seja dada por uma única pessoa. Assim é na vida. Assim é no esporte.

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