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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Descrição de chapéu Tóquio 2020

Lidar com o imponderável é o desafio dos Jogos de Tóquio na pandemia

Covid-19 vai impondo sua marca e quebrando paradigmas olímpicos

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Tenho muitos amigos e conhecidos que têm muita dificuldade de mudar a rota da vida. Sei que isso pode ser um traço de personalidade, mas vejo também como apego ao estabelecido. A dificuldade em se desfazer da roupa velha, do móvel quebrado, a impossibilidade de deixar os filhos seguirem a própria vida mesmo depois de adultos são características desse perfil.

Enquanto isso, as regras sociais continuam a determinar o rumo da vida de muitos, embora algumas delas já estejam cheias de pó e teias de aranha, sinal da passagem do tempo. Norbert Elias, em “O Processo Civilizador'', descreve com precisão como as regras sociais são criadas e como elas são alteradas. Se as escarradeiras de prata eram utensílios fundamentais nas casas aristocráticas no século 19, hoje elas chegam a causar náuseas diante da possibilidade de alguém cuspir na sala de estar.

Que dirá os modos à mesa. Embora em algumas culturas o arroto final seja um elogio aos anfitriões pela comida servida, aqui pelas terras tropicais isso parece mesmo uma grande falta de educação.

Jogos Olímpicos são a face pública de algo que nasceu como uma filosofia - Aris Messinis - 25.mar.21/AFP

E assim se constituem as tradições. Inventadas com a finalidade de fortalecer hábitos de grupos sociais e instituições, elas se naturalizam com o passar dos anos e passam a ser repetidas após algumas gerações, sem questionamentos. Vale destacar que o Olimpismo é uma dessas tradições. E que os Jogos Olímpicos são a face pública disso que nasceu como uma filosofia.

Quando o Comitê Olímpico Internacional foi criado em 1894, pensava-se em ter uma instituição composta por “gentis homens”, com a finalidade de multiplicar a prática esportiva. Considerada um valor dessa classe social específica, acreditava-se no esporte como um elemento fundamental da educação.

E, para que equipes pudessem jogar o mesmo jogo, foram criadas as regras das diferentes modalidades. Daí se constitui um dos valores fundamentais do Olimpismo, a igualdade.

Desde então, as regras foram ajustadas nos seus detalhes, mantendo-se a essência de cada uma delas. Estavam dadas as condições para que os Jogos Olímpicos acontecessem e se mantivessem como uma tradição secular. Ao longo das décadas, o que se viu foi o fortalecimento das instituições esportivas, mais especificamente do COI.

E, assim, inventou-se a premiação com pódio, bandeira e hino para saudar o campeão. Se em algumas modalidades isso está definido por um sistema classificatório inquestionável, em outras se assume que o pódio tem mais do que três lugares.

Um dos desafios enfrentados pelos organizadores dos Jogos de Tóquio é lidar com o imponderável. Testes para detectar infecção pela Covid-19 serão feitos diariamente. Isso pode ter um impacto sobre os resultados, algo nunca visto em edições olímpicas passadas.

Em modalidades em que se compete ao longo de vários dias, uma medalha poderá ser recebida por um atleta que não necessariamente chegou a competir até o final.

Ou seja, para impedir que prevaleça a injustiça, o tradicional sistema classificatório será alterado para contemplar atletas que possivelmente sejam contaminados. Atletas infectados não poderão competir, mas manterão os resultados obtidos até o momento da detecção do vírus, podendo inclusive chegar ao pódio sem fazer o embate final.

E, assim, a Covid-19 vai impondo sua marca e quebrando paradigmas. Nada teve mais força sobre o movimento olímpico. Que isso sirva de lição à humanidade. Mesmo as tradições estão sujeitas a serem quebradas.

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