Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Temos de resistir, independentemente da guerra que travamos

É compreensível a dificuldade em traçar planos para sobreviver ao que oprime

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Nesta semana li a biografia de Hannah Arendt. Leitura de encher a alma me fez pensar no que é viver em tempos sombrios e no totalitarismo. Entre as reflexões de Arendt está a forma como as pessoas reagem diante da necessidade de enfrentar o mal. Dentre as opções apontadas estão fugir, desistir, ficar aterrorizada, entrar em pânico, lutar ou resistir.

Obrigada a fugir da Alemanha que açodava judeus e depois da França, submetida pelos mesmos nazistas que a perseguiram em seu país de origem, com a necessidade de migrar para os Estados Unidos, um país totalmente desconhecido para ela, a história de vida da filósofa mostra uma forma de viver: resistindo.

A resistência apontada por Arendt pode ser aplicada à vida de uma forma geral, independentemente da guerra que travamos, mesmo em tempos de paz. É compreensível a dificuldade em traçar planos para sobreviver ao que oprime. Isso porque vivemos em sociedades teoricamente democráticas, que praticam o poder legitimamente constituído para determinar os rumos de nossas vidas. Mesmo constituído democraticamente, esse poder pode ser utilizado de forma autoritária. E aí entra a subjetividade, ou seja, a forma como cada pessoa assimila e elabora atos que infringem a liberdade.

Naomi Osaka após vencer na estreia de Roland Garros
Naomi Osaka após vencer na estreia de Roland Garros - Martin Bureau - 30.mai.21/AFP

A determinação sobre o rumo de nossas vidas, de nosso trabalho, está diretamente relacionada com as relações de poder estabelecidas entre as pessoas e as instituições, sejam elas acadêmicas, culturais ou esportivas. A minha liberdade está limitada pelo poder de quem tem relações hierárquicas comigo. E a questão é como lidar com isso. Então responde Arendt: resistindo.

Há diferentes formas de resistir. Gritando, lutando, enfrentando aberta ou subliminarmente o opressor. Jamais a omissão será uma forma de resistência. A omissão é parceira da opressão e, consequentemente, de variadas formas de totalitarismo.

Nesta semana assistimos a um fato inédito no esporte. A tenista número 2 do mundo, Naomi Osaka, vivendo um momento de sofrimento mental identificado como depressão, anunciou que não daria entrevistas em Roland Garros. Isso porque o ritual midiático pós-jogo é ansiógeno, muitas vezes desumano, em função da insensibilidade de profissionais da mídia.

Incompreendida em seus argumentos, foi punida com multa. Decidiu então resistir. Abandonou o Grand Slam para surpresa de muitos e críticas de outros tantos.

Indiferentes, organizadores e dirigentes fizeram o jogo seguir. Que oportunidade de ouro foi perdida ali! O acolhimento foi substituído pela mão de ferro dos poderosos. Transformada em mercadoria barata, teve seus argumentos menosprezados, afirmando a condição de commodity da atleta. Como um artigo de luxo sem valor, foi descartada da competição porque, na visão dos poderosos, o show tem que continuar, provando que na visão institucional, os atletas devem sofrer em silêncio.

Nunca é demais afirmar que os atletas são a razão de ser do esporte. Sem eles o esporte seria apenas uma abstração. Tenho dificuldades em compreender por que as instituições esportivas teimam em não admitir essa premissa.

Espero que Naomi Osaka tenha ao seu alcance o apoio de profissionais que a ajudem a superar suas dificuldades pessoais em lidar com as questões existenciais comuns a pessoas com a sua visibilidade. E assim olho para o futuro, dela e do esporte.

E uma vez mais empresto de Hannah Arendt uma de suas máximas. Apenas quem possui a capacidade de imaginar a existência além do presente e o dom da esperança, consegue sobreviver a atrocidades.

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