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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Diante de uma TV da Telefunken, eu desejava ser como Nadia Comaneci

Praticante de ginástica, queria fazer algo parecido com aquilo que a romena fez em Montreal

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Falta menos de uma semana para ter início a edição olímpica de Tóquio 2020. Sim. Estamos em 2021, entretanto, a marca desenvolvida para os Jogos da 32ª Olimpíada permanece a mesma.

Quando me perguntam qual a lembrança mais remota que tenho dos Jogos Olímpicos respondo que foi Munique 1972. Eu era apaixonada por ginástica e naquele ano a soviética Olga Korbut roubou a cena de outra soviética chamada Ludmilla Tourischeva.

Meu pai trabalhava na Telefunken, empresa produtora de TVs, e tínhamos o privilégio de ter em casa um aparelho que ocupava quase metade da sala. Ele havia sido um dos contemplados em um sorteio para adquirir um dos primeiros televisores a cores produzidos no país. Ali, diante daquela janela de vidro, era possível embarcar nas imagens produzidas do outro lado do mundo.

Lembro também com perfeição o anúncio do atentado à vila olímpica e a incerteza que cercou, durante algumas horas, a continuidade dos Jogos.

Depois disso veio Montreal e uma vez mais a ginástica começou roubando a cena com Nadia Comaneci. Nada nem ninguém era capaz de me tirar de frente da televisão.

Nadia Comaneci, com 14 anos, celebra diante da nota 10 no placar eletrônico - 19.jul.1976/AFP

Praticante de ginástica, eu desejava do fundo das minhas entranhas fazer algo parecido com aquilo. Um primo letrado me deu de presente uma revista Times, cuja capa estampava a maior ginasta de todos os tempos, carinhosamente abraçada a uma boneca. O título era "A doll for a doll'. Mesmo sem pronunciar qualquer palavra em inglês, eu entendi rapidamente o significado da expressão. Embora rainha daqueles Jogos, lembro de uma certa expressão de tristeza que a menina boneca carregava no olhar.

Durante os Jogos de Moscou, já trabalhando como jornalista, o tempo para ficar diante da TV assistindo às competições já não existia mais. A partir dali acompanhei notícias e competições na condição de profissional, não mais de espectadora.

Quis a vida que eu desse muitas voltas e retornasse ao esporte, como o ouroboros, que morde a própria cauda, fechando um ciclo iniciado muitas décadas atrás. Desde que me tornei professora e passei a me relacionar com o esporte de forma acadêmica, eu voltei a assistir aos Jogos Olímpicos horas a fio. Menos torcedora e mais analista, observo a cena da competição buscando o não dito, o interdito e, acima de tudo, a humanidade dos Jogos Olímpicos.

Essa busca só é possível pelo reconhecimento das pessoas que fazem os Jogos, que são os atletas. Que lembrança eu teria de Montreal sem Nadia Comaneci? Sem dúvidas a final do voleibol das mulheres, jogo que durou mais de 3 horas e meia, quando ainda existia a vantagem e não o ponto direto como temos hoje. O curioso dessa lembrança é que eu não lembro ao certo quais eram os times ou as jogadoras.

Informação perdida nas brumas do esquecimento pode ser acessada facilmente com o apertar de dois botões nas redes de informação.

A memória, entretanto, se fixa nas ondas do afeto, despertadas por feitos reconhecidamente sobre humanos.

Essa seria, sem sombra de dúvidas, a razão maior para a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio depois do mundo ser outro mundo pós-pandemia. É inegável a necessidade de cenas que resgatem o prazer de viver, possível a atletas que são heroicizados pela grandiosidade de seus feitos. Bastaria isso. Mas, não só isso.

Que comece então o espetáculo. Sem que se esqueça que a normalidade está ainda longe de ser resgatada. O que viveremos é apenas um momento de deleite somente vivido a cada 4 anos.

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