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Guillermo Lasso está vivendo um momento de turbulência política cuja intensidade poderia mergulhar o Equador em uma incerteza extrema.
Se seus problemas de governabilidade podiam ser previstos a partir da votação obtida pelo seu partido em fevereiro de 2021 (o Creo tem 12 dos 137 assentos), os outros aspectos da situação eram menos previsíveis e se referem a suas próprias limitações governamentais.
A forma como ele processa esse impasse vai determinar se a direita continua no caminho da radicalização e do fechamento democrático, verificado no mandato de quatro anos de Lenin Moreno (2017-2021), ou se cumpre a promessa de respeitar a República que o ex-banqueiro fez em sua recente posse.
Crise ampliada
Diante dos massacres carcerários que estão sacudindo o país, o Executivo nem mesmo conseguiu identificar os responsáveis pelo horror. A ideia de um gabinete pouco eficiente está se espalhando.
Após um rápido aumento, devido ao progresso acelerado da campanha de vacinação contra a Covid-19, o presidente sofreu uma queda drástica de popularidade apenas cinco meses depois de seu mandato.
O rápido empobrecimento, a queda do poder aquisitivo, o superendividamento das famílias, a crise migratória e a crescente insegurança são problemas prementes que o governo só parece encarar com a referência ao passado, culpando o ex-presidente Rafael Correa.
Mais do que o declínio na avaliação social do poder, porém, estamos testemunhando uma quebra das expectativas sobre o futuro e as possibilidades de mudança.
A profundidade da crise social impede associar esse ceticismo apenas à desilusão política, mas sua rápida implementação no novo ciclo político revela um déficit de consenso social diante de um governo no qual o projeto das classes dirigentes assume pretensões refundadoras.
Suas primeiras iniciativas de reforma estrutural provocaram uma imediata contestação popular e vários dias de protesto, antes das revelações dos Pandora Papers.
Embora as suspeitas sobre Lasso como um evasor histórico de impostos não sejam novas, o escândalo revelou um presidente intolerante e errático: ele confrontou a imprensa local que publicou a notícia, aludiu a uma conspiração de Geoirge Soros, uma figura infalível na narrativa global da extrema direita, e se recusou a prestar contas ao Parlamento depois de dizer que ele apareceria onde fosse necessário.
O descrédito da palavra do presidente ilumina um problema mais amplo, de perda de legitimidade governamental.
Governança precária, gestão ineficiente, erosão do consenso e deslegitimação acelerada condensam, por enquanto, a crise política precoce de um governo que, apoiado pelo estabelecimento e pelo poder da mídia, não imaginava nada além da aclamação imediata do reformismo empresarial que representa.
Motivos da desilusão
Entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, Lasso cresceu 32 pontos. Seu oponente, a metade. A Revolução Cidadã (RC) perdeu suas primeiras eleições presidenciais em 15 anos.
O épico retorno elevou o novo presidente ao pódio dos heróis antipopulistas. Os mercados financeiros celebravam –o risco-país caiu 345 pontos. A grande imprensa estava eufórica: finalmente, o país era "viável", um "Equador melhor".
A aclamação inabalável de Lasso pela opinião dominante e sua clara vitória no segundo turno pareciam implantar a ideia de que, com o fim das eleições, o conflito político também estava encerrado.
Tudo o que restava era que o presidente eleito realizasse o projeto histórico das elites, finalmente desbloqueado pelo voto dos cidadãos.
A construção quase imperial de seu mandato explicaria por que Lasso esqueceu sua promessa de forjar um "governo do encontro". Essa tese surgiu após sua escassa votação (20%) no primeiro turno.
Ele aludiu ao imperativo de despolarizar o país e gerar confluências governamentais. Isso o obrigou, antes da votação, a mostrar que estava se movendo da extrema direita para o centro político, onde as preferências estavam concentradas.
Apesar de ser membro do Opus Dei, ele até adotou algumas teses do movimento de mulheres. A reformulação virtual de sua identidade política persuadiu os indecisos e impulsionou sua vitória.
A promessa de mudança que Lasso carregava veio a conter a promessa de modificar sua própria força. O abandono de tal opção multiplicou as decepções.
Logo que Lasso tomou posse, ele começou a operar como se o único número que condensa a representação nacional fosse os 52,5% que o elegeram.
A partir dessa maioria imaginária, o governo se retira em seu próprio espaço, reafirma seus extremos e se sente satisfeito com os fatores do poder real.
Entre a superestimação da força popular e a avaliação, realista, de que os poderes factuais (grupos econômicos, militares, mídia, embaixadas) apoiam seu governo, o presidente está agora brincando de contornar as instituições democráticas.
A criação do gabinete marcou um primeiro ponto de inflexão.
Lasso rodeou-se dos profissionais libertários que estão com ele há muito tempo, desde sua Fundación Ecuador Libre e do antigo partido democrata-cristão com o qual coabitava como funcionário do ex-presidente Jamil Mahuad (1998-2000).
Nenhum espaço de decisão relevante foi confiado a possíveis aliados.
Ele também quebrou com seu parceiro eleitoral, o Partido Social Cristão (PSC) de Jaime Nebot, o poderoso ex-prefeito de Guayaquil. Ao fazer isso, fragmentou a já heterogênea família da direita crioula e se alienou de sua expressão mais realista e experiente na administração do Estado.
O primeiro megaprojeto do regime revelou seu dogmatismo. Entre outras questões, a norma procura desvincular trabalho e direitos.
A reforma propõe que duas pessoas que realizam trabalhos semelhantes sejam contratadas de maneiras diferentes. Cria-se um regime de trabalho paralelo que ignora direitos, permite que a jornada de trabalho seja aumentada para 12 horas, reconhece estabilidade somente após o quarto ano de emprego, introduz a figura da "demissão justa" e até sugere que o trabalhador deve compensar o empregador em certos casos.
A recentralização do governo foi uma operação de campanha. Nem mesmo os entendimentos com o Pachakutik (partido ligado ao movimento indígena) e com a Izquierda Democrática (com raízes social-democratas, hoje uma "manta de retalhos"), para controlar a Assembleia, suavizaram a postura do partido no poder.
Em meio a pedidos de diálogo com partidos e organizações populares, o Executivo apresentou um orçamento pró-forma (2022) que amplia os cortes na previdência social, saúde e educação, antecipa demissões de funcionários públicos e privatização de bens públicos e prioriza o pagamento de dívidas.
Sem considerar a catástrofe sanitária e a precariedade da vida vivida desde 2020, Lasso persiste com a agenda que as provocou. O impulso radical da direita é inseparável do uso político da crise para aprofundar a desigualdade.
A recusa da Assembleia em lidar com o megaprojeto do Executivo, devido a falhas formais, e o anúncio de mobilizações explodiram a bolha.
Aplaudir o presidente não é mais a única música de fundo. Incomodado, Lasso acusou Nebot, Correa e Leonidas Iza (presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) de conspiração. Anteriormente, ele associou os protestos à desestabilização.
Com uma Procuradoria fiel, tudo isso assume um caráter extorsionista. Essa instituição, de fato, convocou Iza a comparecer exatamente quando a greve nacional estava começando, no final de outubro.
Pouco antes disso, abriu um inquérito contra Andrés Arauz (ex-candidato presidencial da RC), um crítico ativo das contas presidenciais offshore.
A insistência da narrativa pró-governamental em descrever qualquer ação de oposição como um bloqueio está começando a estabelecer um duplo padrão de avaliação nas instituições de controle.
Seu silêncio sobre Lasso e os Pandora Papers revelaria até que ponto a direita equatoriana enfrenta a situação atual aceitando os poderes reais e com um mínimo de atenção à reconstrução de verdadeiras maiorias democráticas.
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