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Forças Armadas e crise política na América Latina

Problemas sociais e políticos não podem ser resolvidos pela força e cabe ao nível político construir uma saída

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A Nicarágua inaugurou, em abril de 2018, uma temporada de explosões sociais na América Latina seguida pelo Equador (outubro de 2019), Bolívia (novembro de 2019), Colômbia (uma rodada em outubro de 2019 e outra em meados de 2021), Chile (outubro de 2019 e meses seguintes) e Peru (novembro de 2020).

Embora se tratem de mobilizações diferentes em origem, motivos e volume, todas elas desencadearam agudas crises políticas e de governança.Neste cenário, cabe destacar o papel desempenhado pelas Forças Armadas, onde, diferentemente das épocas passadas, optaram por não se envolver na contingência nem se aventurar além do cumprimento de seu papel constitucional.

Estamos na presença de uma nova doutrina institucional? As Forças Armadas fizeram uma leitura relativamente comum de suas incursões políticas no passado recente? Estão indiferentes aos graves distúrbios à ordem pública que vivemos em alguns países?

É difícil responder a essas perguntas por duas razões: em primeiro lugar, as Forças Armadas permanecem cautelosamente silenciosas diante da contingência, e, em segundo, esses são processos que ainda estão se desenrolando.

Uma advertência final: se trata de analisar o comportamento das Forças Armadas e não das polícias ou outras forças de ordem, como Gendarmerias ou Guardas Nacionais. As Forças Armadas constituem o principal instrumento estratégico de um Estado, equipadas e treinadas para a defesa, e não devem ser confundidas com as forças de ordem, muito menos falar de “os fardados” para se referir indistintamente a estas instituições.

As máximas da história recente

A história contemporânea parece ter deixado várias lições ao mundo castrense. Militares aposentados de vários países concordam em uma coisa: quando as Forças Armadas intervêm na conjuntura de um país, geralmente restabelecem algum tipo de ordem, mas muitas vezes a custos elevados. Eles também sabem que, uma vez restaurada a calma, são criadas as chamadas Comissões da Verdade, que geralmente acabam processando o Alto Comando da época e exonerando os líderes políticos que ordenaram a intervenção. No final, os presos são predominantemente militares.

Uma lição se impõe: os problemas sociais e políticos não se resolvem com a força; é responsabilidade do nível político abrir caminhos de entendimento. Dado que o canal regular estabelece que a ligação entre as Forças Armadas e o poder político é através dos ministérios da Defesa —ou do diálogo direto com o presidente— a resposta definitiva a qualquer inquérito só será alcançada quando tivermos acesso à desclassificação destes diálogos.

Prudência ou moderação?

A principal missão de todas as Forças Armadas é a defesa da soberania nacional. A isso se agregam normalmente duas outras: a participação em operações de paz e a ajuda à população em caso de desastres naturais.

A manutenção da ordem pública não é de responsabilidade direta das Forças Armadas; corresponde à autoridade política, que dispõe de forças policiais. A propósito, qualquer deslocamento das Forças Armadas ante emergências internas está consagrado na maioria das constituições nos chamados “estados de exceção”, que envolvem a suspensão temporária das garantias individuais. Isso só é possível com o acordo do Poder Legislativo.

Mas acontecimentos recentes mostram que em muitos casos a autoridade presidencial entra em conflito com o Congresso; inclusive, há casos em que é a própria autoridade que instrui as Forças Armadas a realizar tarefas que vão além de sua missão.

O que acontece quando as forças policiais são sobrecarregadas? Em teoria, o Executivo deveria declarar algum tipo de estado de exceção, com a aprovação do Poder Legislativo. E se não o fizer? Ou se o fizer sem consultar o poder legislativo ou o judiciário, conforme o caso? Testemunhamos alguns casos, algo do tipo já ocorreu.

Além disso, a situação inicial pode ser agravada quando o protesto é degradado com elementos de vandalismo ou a ameaça de confronto armado entre civis. Acrescente-se a isso o fato de que não há escassez de armas na América Latina. Em tais circunstâncias, mais de um funcionário terá se perguntado quanta destruição deve suportar até que o poder político construa uma solução.

Se os problemas sociais e políticos não podem ser resolvidos pela força e cabe ao nível político construir uma saída, a situação se agrava quando as autoridades diagnosticam equivocadamente uma crise, como aconteceu quando o presidente chileno, na agitada primavera de 2019, denunciou que o Chile enfrentava “uma guerra”. De acordo com uma reportagem do portal Ex Ante, naqueles dias agitados, o Exército planejava evacuar o presidente da Moneda para o deixar a salvo. Diz-se que lhe foi sugerido que uma solução política era necessária e isso explicaria porque a direita no Chile concordou com a reforma constitucional. A crônica não foi desmentida.

No Equador, no auge da instabilidade durante os protestos em Quito, o então presidente, Lenin Moreno, teve que se refugiar em Guayaquil sob proteção militar. Enquanto isso, na Bolívia, em novembro de 2019 e em meio a uma forte polarização social onde centenas gritavam “Agora sim: guerra civil! ” e com um governo que estava desmoronando, o Comandante-em-Chefe do Exército, General Kalimán, sugeriu ao Presidente Morales que renunciasse. Antes disso, as organizações políticas e sociais tinham feito o mesmo. Sugestão ou golpe? Isso está sendo analisado hoje pelo Judiciário boliviano em meio a reclamações da atual oposição.

O que é evidente é que em todos esses casos, embora tenha havido violência e, infelizmente, numerosas baixas, elas foram basicamente devidas à ação de forças policiais ou parapoliciais.
Cabe perguntar-se então se as Forças Armadas têm favorecido a manutenção da ordem, mas pela via de induzir o poder político à construção de uma saída, evitando sua participação direta. Se assim fosse, estaríamos na presença de um novo fator de estabilização.

Gabriel Gaspar

Cientista político, foi professor na UAM e Unam (México), no Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile e na Academia Diplomática Andrés Bello.

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