Bruna Haber nasceu como Daniel Fernando de Souza e hoje tem 24 anos. Durante muito tempo, carregou o sobrenome da mãe, a quem pressionou para saber quem é o pai.
Em 2011, empoderada após se assumir como mulher trans, e ciente de que a mãe, uma empregada doméstica, tinha engravidado do patrão, Roger Clement Haber, Bruna inicia uma disputa judicial para repartir a herança de forma justa.
Na semana passada, ela obteve uma vitória no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde tenta provar que o patrimônio deixado pelo pai é muito maior e que, por ser uma filha fora do casamento, está sendo prejudicada.
No acórdão do recurso apresentado pelos Haber, a Justiça julgou ter havido simulação de operações financeiras para desvio de bens para uma empresa chamada Zenith, controlada por Myriam Haber, mulher de Roger e mãe de três filhos: Claire, Richard e Eduardo.
Eduardo Haber é um dos fundadores da fintech financeira Nomad.
A sentença foi dada a partir da contestação de que uma mansão em Campos do Jordão (SP) registrada em nome de uma empresa chamada Zenith, na verdade, pertencia à família.
Na decisão, a desembargadora também se valeu de uma gravação feita por Bruna de uma conversa com Eduardo Haber, que foi até a sua casa para conhecê-la, discutir sobre a herança e o processo em curso.
No áudio, transcrito no processo, Eduardo afirma que havia duas empresas e que a Zenith estava fora do espólio.
No julgamento, o advogado de Bruna questionou se Eduardo reconhecia o conteúdo da conversa.
"Embora os bens declarados no inventário do seu pai, até o momento, somem cerca de R$ 2 milhões, o senhor afirmou, no minuto 59 da gravação, que o patrimônio deixado pelo seu pai é de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões. Quais são esses outros bens detidos pelo seu pai que ainda não foram arrolados no inventário?"
Na resposta, Eduardo admitiu o conteúdo da conversa e afirmou que [na conversa] não se referia ao patrimônio do pai, mas ao "patrimônio da família", fora do espólio.
Na decisão, a desembargadora Angela Moreno Pacheco de Rezende Lopes considerou ter havido simulação de operações entre Roger Haber e a Zenith, hoje pertencente a Myriam Haber, e reconheceu o direito de Bruna à casa, hoje avaliada em R$ 8,5 milhões.
Roger, morto em 2010, foi um dos mais conhecidos doleiros do país. "Ele fez muito dinheiro, trabalhou para o [Paulo] Maluf", disse Bruna Haber, em entrevista ao Painel S.A..
"É só dar um Google que você rapidamente percebe. Ele chegou a movimentar mais de US$ 600 milhões. Claro que movimentar não significa ter todo aquele dinheiro, mas daí a dizer que eu só tenho pouco mais de R$ 500 mil para repartir no inventário não dá."
De quem é o dinheiro
Eduardo Haber é um dos sócios-fundadores da Nomad, fintech financeira que permite a conversão de reais em dólares no exterior entre outras opções de investimento. A empresa recebeu aportes de fundos estrangeiros e hoje é avaliada em cerca de R$ 1,8 bilhão.
Atualmente, Bruna questiona de onde partiu o capital inicial usado por Eduardo para abrir a Nomad. Considera que o irmão nunca trabalhou para ter recurso próprio.
"Sempre ficou estudando fora do Brasil", disse.
DNA no Ratinho
A batalha pessoal de Bruna teve início em 2011 e contou com a ajuda do apresentador de TV Ratinho.
"A minha mãe recorreu primeiramente a um advogado que trabalhava na televisão. Era o doutor Farhat, que trabalhava no programa do Ratinho, porque o Ratinho fazia teste de DNA", disse Bruna.
"O doutor Farhat dava consultoria para esses casos mais simples. Foi ele que começou todo o processo e conseguiu, para mim, o sobrenome Haber. Depois que me assumi como mulher transgênero me senti empoderada para levar esse processo adiante. Antes, eu era muito tímida."
De lá para cá, Bruna buscou outros advogados e passou a rastrear bens e valores a que, eventualmente, possa ter direito.
"Não acho justo. Minha mãe trabalhou grávida para eles. Por um tempo, eu recebia uma espécie de pensão que minha mãe dizia ser paga pelo meu pai. Esse dinheiro me ajudou a estudar, mas, com a morte dele, o pagamento parou e ficamos endividadas. Minha mãe é idosa, não tem plano de saúde e há despesas de toda ordem."
Bruna diz que, para pagar parte das dívidas –que hoje somam cerca de R$ 100 mil– a mãe teve de dar todo o FGTS. Outra parte dos débitos se deve ao cursinho pré-vestibular para que Bruna entrasse na PUC-SP, onde estuda Psicologia atualmente.
"Era a poupança da vida dela", disse.
Outro lado
A coluna consultou a advogada da inventariante, Claire Haber, mas ela não quis comentar. Disse que o processo tramita em segredo.
Questionado, Eduardo Haber também não quis comentar.
Com Diego Felix
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.