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Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

O que torcedores, potências nucleares e a árvore mais alta da Amazônia têm em comum

Assim como torcedores num estádio ou adversários da Guerra Fria, árvores vivem dilemas sociais que com frequência resultam em tragédia dos comuns

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Uma das ideias mais elegantes das ciências sociais do século 20 é que as pessoas nem sempre fazem individualmente o que é melhor para elas coletivamente. A "lógica da ação coletiva", como nomeou o cientista político Mancur Olson em seu livro de 1965, não se restringe a humanos: também ocorre com bactérias, países, plantas. É o caso da árvore mais alta da Amazônia, um angelim-vermelho mais alto que o Conjunto Nacional de São Paulo que foi alcançado por pesquisadores esta semana.

Coletivamente, seria melhor para árvores de uma floresta tropical se todas limitassem a altura. Gastariam pouca energia na estrutura vertical do tronco e no transporte de água da raiz até a copa, e poderiam concentrar recursos na reprodução.

Angelim-vermelho, a árvore mais alta da Amazônia, com mais de 88 metros de altura e mais de 9 metros de circunferência - Rafael Aleixo/AFP

Individualmente, porém, a árvore que crescer mais que as vizinhas ganha mais luz para a fotossíntese de suas folhas. A primeira que avançar acima da média forçará o crescimento das outras, e em pouco tempo só sobrarão copas altíssimas, que desfrutarão a mesma quantidade total de luz do que se não tivessem crescido tanto.

Repare que o dilema social vivido pelas árvores é mesmo de torcedores num estádio.

Seria melhor se eles permanecessem sentados, para não atrapalhar a visão de quem está atrás. Individualmente, porém, quem se levantar terá uma visão melhor da partida. O primeiro que levantar provocará a mesma ação nos torcedores acima, e em pouco tempo todos viverão a "tragédia dos comuns" de assistir o jogo de pé, com a mesma visão de quando estavam sentados.

Da mesma forma, potências nucleares como Estados Unidos e União Soviética poderiam ter economizado um bom cascalho se confiassem uma na outra. Mas o investimento bélico de uma forçou o investimento da outra, e assim as duas gastaram demais em bombas nucleares sem ter real vantagem sobre o adversário.

No artigo "The tragedy of the commons in evolutionary biology", um grupo de biólogos cita outro exemplo divertido dessa corrida armamentista: o das bactérias que habitam a nossa boca.

A bactéria que produz biofilme, um polímero extracelular, empurra seus descendentes para cima e dá a eles mais acesso ao oxigênio. Como esse polímero asfixia colegas ao redor, todas são obrigadas a gastar recursos produzindo-o. Assim se forma a placa bacteriana dos dentes, fruto da corrida armamentista travada entre micróbios bucais.

No caso do angelim-vermelho, o resultado desse dilema social é majestoso, pelo menos aos nossos olhos. Escrevendo esta coluna, vejo árvores atingindo no máximo o quarto andar dos prédios vizinhos. É impressionante imaginar que o angelim-vermelho alcança 30 andares, duas vezes a altura do prédio aqui em frente.

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