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É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Descrição de chapéu Coronavírus Governo Trump

Independência e morte: máscaras entram na guerra cultural

Uma minoria de americanos trata a exigência da proteção com a paixão ao direito de portar armas

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A imagem dos rostos sorridentes era assustadora. Com raras exceções, não se via máscaras cobrindo o rosto das pessoas que encheram um auditório com capacidade para 3.000 em Phoenix, no Arizona, na terça-feira (23), para mais um comício de Donald Trump.

O Arizona está batendo recordes de contaminação por coronavírus, e o governo estadual não tem capacidade de aplicar testes em larga escala. O sistema hospitalar do estado está perto do esgotamento.

Phoenix foi a segunda parada de Trump na volta à estrada em campanha desde o início da quarentena em março.

No sábado (20), Trump esperava dezenas de milhares de seguidores no estádio de Tulsa, em Oklahoma, e teve que se contentar com 6.200, a maioria recusando a oferta de máscaras feita pelos organizadores.

Apoiadora de Donald Trump segura proteção facial durante comício republicano em Tulsa - Leah Millis - 20.jun.20/Reuters

Múltiplos estudos têm comprovado a eficácia do uso de máscaras em público por toda a população para combater a propagação da Covid-19.

Mas, nos EUA, o presidente negacionista foi o primeiro a sabotar a recomendação de sua própria força-tarefa da pandemia.

Trump não é fotografado em público usando máscaras, não só por vaidade e temor de parecer fraco, mas também, ele próprio admitiu, para não dar prazer aos que chama de inimigos na mídia.

Assim, a mais barata e fácil de improvisar proteção contra a contaminação em massa se tornou uma bandeira na guerra cultural. Uma minoria de americanos trata a exigência do uso de máscara com uma paixão reservada historicamente ao direito de portar armas.

As cenas de violência em locais fechados que exigem uso de máscaras, como supermercados, repetem-se, com empregados caçando fregueses, muitas vezes idosos vulneráveis, que não admitem ter escolhido ambas –independência e possível morte.

A liberdade individual é parte do imaginário que formou a república americana. Mas esse veio ferrenho que confunde liberdade com licença ilimitada está no cerne do fracasso épico em combater a pandemia na maior potência científica, médica e militar do planeta.

Desde março, epidemiologistas chamam a atenção para a dificuldade de promover medidas sanitárias em massa, como as que tiveram sucesso na autoritária China. Agravando o cenário, está o fato de que os estados americanos gerem seus sistemas de saúde.

Alguns governadores republicanos aliados ao presidente trataram a pandemia como uma conspiração liberal para prejudicar a economia e ameaçar a reeleição.

Mas os casos de Covid-19 voltaram a disparar em 26 dos 50 estados. Republicanos dão sinais de pânico com a adesão a um presidente que considera a pandemia um assunto resolvido e há quase três semanas não fala com membros da força-tarefa que exibia todo dia em entrevistas coletivas até abril.

O governador do Texas, Greg Abbott, um cético de primeira hora, implorou aos texanos para ficarem em casa na terça, quando admitiu novo recorde de contaminação e hospitalizações no estado.

A recusa em usar máscaras no comício do ginásio em Tulsa mistura alienação ao temor de aparentar dissidência no culto da personalidade presidencial.

Ironicamente, há uma parcela de americanos com motivos legítimos para temer que máscaras sinalizem criminalidade. São os negros, desproporcionalmente atingidos pela pandemia e desproporcionalmente mortos pela polícia.

“Qual a morte vão escolher?”, perguntou Vickie Mays, professora de Saúde Pública da Universidade da Califórnia. “Covid ou um tiro?”

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