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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Descrição de chapéu guerra israel-hamas

A guerra Israel-Hamas prova o ridículo da razão dialógica

Contingência reina cega sobre as coisas e fazemos o que dá pra fazer, mas não acredito no diálogo racional sobre quase nada

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Devo confessar algo: não acredito no diálogo racional sobre quase nada. Não mais. Talvez a idade somada à influência do ceticismo grego e da psicanálise freudiana tenham me levado a esta posição filosófica. Isso não quer dizer que ache melhor a porrada pura e simples, isso quer dizer uma menor ingenuidade com as confissões morais das pessoas e grupos sociais, e, por consequência, uma menor fé no diálogo entre esses agentes.

Claro que podemos, às vezes, dialogar racionalmente sobre onde gastar o dinheiro do condomínio —e olhe lá!—, sobre aonde ir nas férias, mas não vai muito além disso. Em temas mais relevantes, se conseguirmos chegar a acordos estratégicos entre as partes interessadas —se uma não puder simplesmente esmagar a outra— podemos dialogar racionalmente com alguma viabilidade.

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé - Folhapress

Mas, quem estará determinando a possibilidade de a razão funcionar será o imperativo do interesse, do medo, da coação ou do cansaço com a violência.

Muito pessimista? Sinto muito. Como dizia o filósofo francês Pascal, que viveu no século 17, nada mais natural à razão do que reconhecer seus próprios limites.

A guerra entre Israel e o Hamas prova o ridículo da razão dialógica. O mero furor com o qual os brasileiros, sem vínculos diretos com as partes em contenda, se lançam ao ódio puro e simples é prova cabal da minha hipótese.

O debate moral é um exemplo crasso. Sigo muito de perto a tese do filósofo inglês John Gray, em atividade, quando ele diz que não temos a mínima ideia do que seja "a moral" quando nos pomos a teorizar sobre ela. O que chamamos de relativismo —o que quer que sejam o bem e o mal depende do ponto de vista, do contexto histórico, cultural, social, político, psicológico— nada mais é do que a descrição do fracasso em determinar o que seja "a moral" em termos de comportamento.

Podemos descrever hábitos e crenças, mas fundamentá-los racionalmente é pura ilusão. Mesmo que sigamos autores como Kant, no século 18, ou Stuart Mill, século 19, racionalistas, cada um ao seu modo, estaremos apenas exibindo "cálculos" teóricos sobre possibilidades de comportamento e de crenças a cerca do bem e do mal.

Na hora do "vamos ver", o "pau come" e cada um segue sua obsessão "moral". Essa obsessão, que pode ser uma tara qualquer —religiosa, psicológica, "científica"—, será o verdadeiro guia no uso das palavras no momento do debate.

A literatura filosófica já produziu muito material sobre moral —ou ética, que é a mesma coisa para quem conhece história da filosofia. Não se trata de dizer que esse material seja sem valor, se trata de dizer que ele não impacta de fato o comportamento das pessoas diante do que elas julgam bem ou mal. A razão balançará para o lado que as simpatias determinarem. Logo, na prática, ninguém sabe o que seja "a moral" conduzindo o comportamento dos seres humanos.

Por exemplo, podemos fazer o que quisermos com o fato de que existem pessoas que morrem de fome, que são massacradas, torturadas. No fundo, quase absolutamente ninguém está nem aí. Minha escolha "de lado" da contenda não será racional, mas, sim, segmentada de acordo com elementos nada racionais, tais como, família, dinheiro, religião, ressentimento, ódio, amor, azar ou sorte.

A contingência reina cega sobre as coisas, e nós fazemos o que podemos para sobreviver a ela.

Se você assiste a um debate sobre política nas mídias, você verá minha hipótese diante dos olhos. Alias, o que chamamos de "profissionais da mídia" são as pessoas que, por treino e formação, conseguem esconder suas taras banais sobre os temas do momento, e seguir argumentos que apresentam alguns elementos empíricos, através de uma linguagem organizada —que lembra a racionalidade—, mas que no fundo se sustentam em crenças que nada têm de racionais.

O que distingue o profissional do amador aqui, é, justamente, a diferença entre falar a partir de banalidades ou falar a partir de uma organização de ideias mais ricas e mais amplas. Ainda assim, o diálogo é mais função da sociabilidade entre eles do que da busca por uma "verdade" sobre o tema.

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