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Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

A prisão das musas

Acusação infundada de racismo contra a crítica tem efeito inibidor perverso para a arte literária

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Lígia G. Diniz, doutora em literatura, constatou maniqueísmo na construção dos personagens do romance "Salvar o Fogo", de Itamar Vieira Junior. O autor não gostou, o que é normal entre artistas. O que não é normal é acusar a crítica literária de racista. Tal postura é não apenas incomum como insensata.

O escritor Itamar Vieira Junior participa com a colega Ana Maria Gonçalves de uma das mesas de debate da Feira do Livro 2023 em São Paulo - Gabriel Cabral - 10.jun.23/Folhapress

Após usar um "argumentum ad hominem", ao apontar que o editor da revista e a autora são brancos, o escritor disse: "Eles precisam nos lembrar que na literatura brasileira não há espaço para nós, então o pacto é deixar a avaliação entre eles".

Pergunto-me por onde andará o pacto da branquitude na crítica que demole o branco Paulo Coelho e ovaciona o negro Machado de Assis.

Vieira Junior é aclamado. Seu romance "Torto Arado" foi premiado com o Jabuti e o português Leya.

Isso quer dizer que negros não sofrem preconceito? Claro que não. O que se atesta é o uso temerário do racismo como escudo contra críticas.

Não há palavra ou frase na análise de Diniz que sequer insinue racismo. Ao contrário, para ela, o autor "merece pontos por trazer ao protagonismo literário quem até há pouco não tinha voz". Pelo visto, o escritor deseja que o papel ético suplante a análise estética —o que seria a morte da crítica e da arte literárias.

Em "O Ideal do Crítico", Machado de Assis mostra que esse profissional não deve adular o ego de escritores, sob risco de prestar desserviço ao público, aos autores e à literatura.

Para ele, a crítica tem papel na orientação de estilo e conteúdo e, ainda mais importante, na formação de um cânone literário, afastando dogmas passadistas e estrangeirismos: "As musas, privadas de um farol seguro, correm o risco de naufragarem nos mares sempre desconhecidos da publicidade".

Acusações infundadas de racismo tendem a produzir o chamado "efeito inibidor": críticos são desencorajados a fazer análises sinceras e objetivas por medo de sanções sociais ou até mesmo legais. Um modo nefasto de não apenas desorientar as musas, mas de aprisioná-las.

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