Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais
Sonhar não custa nada?
Antes de dormir, agora é preciso apresentar um carimbo do Osmar Terra
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Acordo no meio da noite com uma mulher vestida de preto sentada ao pé da minha cama. Ela usa fones de ouvido, tem um walkie-talkie na cintura e olheiras de tom fúcsia.
Antes que eu consiga chamar a polícia por invasão de domicílio, a mulher se apresenta como minha Fada Produtora.
É ela a responsável por produzir meus sonhos e pesadelos —grandes clássicos, entre eles
“Esqueci de me Vestir e Agora Estou Pelada pelas Ruas de Botafogo”, “Socorro, Peguei Minha Chefe Casada”, “Comi Todo o Bufê de um Velório” e “Meu Namorado Engravidou a Anitta”.
Eu não fazia ideia do suor derramado nos bastidores de cada sonho que já tive.
Estamos falando de planos-sequência com centenas de figurantes, efeitos especiais complexos, animais silvestres indirigíveis, cenários inteiros feitos de massa de churros, litros e mais litros de sangue falso e um verdadeiro sudoku nível muito difícil para conciliar as agendas do elenco.
A Fada Produtora perdeu a conta de quantas noites virou trabalhando, quantos relacionamentos perdeu por W.O. e quantos dublês a processaram, só para que eu pudesse sonhar.
Agora, ela chegou ao limite. Do orçamento. Infelizmente, meus sonhos não passam pelo crivo da União. Para isso, eles precisariam estar alinhados a um sentimento cristão e, consequentemente, carimbados com o selo Osmar Terra de qualidade. Tempos difíceis.
Lembro quando filtro dos sonhos era um amuleto xamânico que as ripongas usavam como brinco. Hoje, é sinônimo de censura. Os sonhos eróticos foram os primeiros a sair de circulação. Imploro à Fada Produtora que faça alguma coisa, talvez haja uma forma de burlar o sistema.
“Por que, em vez do Adriano Imperador, não escalamos o Junior?” Achei que ela estivesse falando do Júnior Baiano, mas era o Lima. Sim, o irmão da Sandy. Tento negociar. O problema é que ela conhece seu público-alvo como ninguém e sabe que atravessei a puberdade quando ele era um sex symbol juvenil (ou quase isso).
No sonho, eu e Junior iremos à missa. Pergunto se ele pode fazer o papel do padre. A Fada Produtora enrola um tabaco, sem filtro: “Você vai acabar com a minha carreira”. Seu
rádio apita insistentemente.
Acordo com o despertador. A Fada Produtora já não está mais no meu quarto. Ainda sinto o cheiro da fumaça. Abro a janela, o dia virou noite: é um pesadelo.
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