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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

Eu não vou falar de política

Do que a gente falava antes de 2013?

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Pedimos uma salada. 

Enfio duas folhas inteiras de alface na boca para não mencionar a liberação de 239 agrotóxicos pelo governo. Nessa noite, eu não vou falar de política.

Minha amiga e eu fizemos um pacto. Vamos aproveitar esse sábado sem pronunciar o nome do pai nem dos filhos; sem remontar a farsa da Lava Jato ou do impeachment; sem perguntar onde está o Queiroz.

Vamos nos permitir algumas horas da mais pura alienação e beber drinques instagramáveis até esquecer como se pronuncia Weintraub.

Conto com minha amiga para me censurar em caso de qualquer desvio, e vice-versa. Mais ou menos como o governo está fazendo com a Ancine e com nossos projetos culturais. A diferença é que o presidente quer “preservar os valores cristãos”, enquanto tentamos apenas preservar nossa sanidade.

Vamos falar de coisa boa? Viagens são um tema difícil, os flashes do vexame na ONU ainda me atormentam. Não superei o discurso, a incredulidade da plateia, aquele “I love you não correspondido.

Minha amiga percebe que está me perdendo para o inimigo e tenta me puxar de volta para a superfície, elogiando minha blusa.

Rapidamente, os assuntos começam a se esgotar. São longos os momentos de silêncio, um silêncio que perfura o tímpano. Minha avó diria que um anjo passou por aqui. Não sei se foi exatamente um anjo. Talvez, se o nome dele for Lúcifer.

Sinto uma gota de suor descendo pela minha têmpora esquerda. E sei que um inocente comentário sobre o tempo abafado seria só a ponta de um iceberg derretendo por causa do aquecimento global, que nos levaria à crise climática, ao descaso com a Amazônia, aos ataques à Greta Thunberg, ao fim do mundo e do nosso pacto.

Minha amiga deixa escapar um bocejo barulhento como o último suspiro de um leão marinho. E ainda temos uma longa noite pela frente. Para passar o tempo, tentamos pescar fragmentos das conversas alheias. Queremos entender sobre o que as pessoas conversam quando não estão falando sobre política.

Mas a realidade  é dura e, o assunto, inevitável. Do que a gente falava antes de 2013?

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