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Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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machismo

Olá, eu me chamo Manuela e sou viciada em aprovação masculina desde criança

Hoje completo 24 horas sem postar um selfie fazendo beicinho

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Estou petrificada de vergonha. Impossível evitar o contato visual quando se está sentada em um círculo de mulheres. É o meu primeiro dia, e sou gentilmente obrigada a me apresentar para o grupo.

Olá, eu me chamo Manuela e sou viciada em aprovação masculina. É uma espécie de crack, a gente sabe que faz mal, que vicia, que confunde os sentidos e derrete os neurotransmissores, mas se apega àquela sensação efêmera de poder e a aquele pico de autoestima, mesmo sabendo que logo vai despencar lá do alto e se sentir a pior feminista do mundo.

Sinto a mão de uma delas repousar sobre o meu ombro. “Aqui é um lugar seguro, só tem feminista de merda, pode continuar.”

É um vício que me acompanha desde a infância. Esperar papai voltar do trabalho, com a prova gabaritada amassadinha entre os dedos. O professor de vôlei vibrando com um bloqueio desajeitado que deixou um hematoma no meu braço. Torci para que aquele hematoma durasse para sempre. Mas a euforia logo evapora, como um perfume barato. E você quer mais e mais e mais aquele barato.

Foi na adolescência que a coisa desandou. Você é bonita, ele disse. Eu? Você acha mesmo? Basta uma única dose.

Uma unidade de elogio. O batimento cardíaco acelera, as pupilas dilatam, a palma da mão sua, os pés descolam do chão. A vida parece tão simples: eu sou bonita, isso basta. Mas é tudo mentira. E quando você se dá conta, já é tarde, você já se submeteu a tudo que é tipo de humilhação para se sentir daquele jeito de novo.

Todo mundo tem aquela amiga abençoada que diz que se arruma para si mesma. Morro de inveja, porque eu só queria incendiar minha inbox com emojis de foguinho e agora estou vivendo no inferno.

Infelizmente, beleza não é tudo, e dá para se cobrar excessivamente em muitas outras áreas da vida.

Fui me tornando cada vez mais paranoica. Será que meu chefe gostou do roteiro que passei a noite em claro escrevendo? Ele disse que sim, mas usou um ponto final. Gostei. Ponto. Ou seja. O que preciso fazer para ser digna de pelo menos uma exclamação? E por que diabos isso importa?

Já tentei terapia, Simone de Beauvoir, até bênção do útero. Funciona no começo, mas logo surgem as recaídas. É por isso que eu estou aqui. Eu não vou permitir que essa busca por validação masculina destrua a minha vida. Hoje completo 24 horas sem postar um selfie fazendo beicinho.

“Parabéns. Admiro sua coragem”, elas dizem. E então sinto minha pupila dilatar.

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