Você acorda. Os pássaros cantam. O celular vibra e você é tragada para dentro de um grupo de família no WhatsApp que proporciona a sensação asfixiante de um eterno almoço de domingo, ainda que seja terça-feira e você nem tenha saído da cama.

E aquelas 57 mensagens não lidas estão ali para lembrar, com a sutileza de um murro na costela, de que estamos em época de eleições.

Você respira fundo, mas todo o ar do planeta não é suficiente para arejar seus pensamentos sobre aquele seu tio botafoguense doente —porque quando você acha que nada poderia ser mais autodestrutivo do que ser botafoguense doente, você se lembra que ele também é bolsonarista.

Você custa a acreditar que aquele é o mesmo tio que, quando você tinha seis anos, levou você na praia, se afogou no mar e precisou ser resgatado de helicóptero, enquanto só restava a você torcer para que ele voltasse daquele mergulho e pagasse o que devia para o moço do sorvete que ficou do seu lado durante os 11 minutos mais longos da sua vida.

E, quando você já começava a se consolar com a ideia de que pelo menos seria adotada por um sorveteiro e almoçaria picolé todos os dias, seu tio sobrevive, para a sua alegria e a da torcida do Botafogo, que
certamente seria prejudicada por aquele desfalque.

Você transforma seu tio em uma espécie de anti-herói de sunga laranja por causa dessa história, apesar de ele nunca desperdiçar a deixa para fazer uma piada levemente homofóbica sobre ter sido beijado na boca por um salva-vidas "boa pinta". E você guarda na memória o dia em que, já bêbado, seu tio confessa que se estivesse sozinho na praia, teria desistido de lutar, mas não desistiu porque você estava lá, gritando por ele.

E agora você tenta dialogar com seu tio no WhatsApp, mas ele faz você se sentir como aquela criança desesperada e impotente que o observa sucumbir à correnteza. Você quase se deixa levar pela ressaca de quatro anos do pior governo da história do seu país e pensa em dizer que preferia que ele nunca tivesse voltado daquele mergulho e decepcionado tanto você, anos depois.

Mas você não desiste, com a esperança de um botafoguense doente de que seu tio possa escutar você e encontrar o caminho de volta. E aí você se dá conta de que não é porque seu tio é bolsonarista que você não pode aprender com ele.