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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Novo mapa indica esperança para a mata atlântica

Se um dia chegarmos lá, no cumprimento das leis, 35% da mata atlântica estariam reconstituídos

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Nem tudo são más notícias e ansiedade quanto ao ambiente neste Brasil pré-Bolsonaro. No que respeita à mata atlântica, levantamento com imagens de satélite de inédita precisão revela que o bioma está mais preservado do que se sabia até aqui.

Não é caso para excesso de entusiasmo, como se verá adiante. O dado, contudo, tem algo de animador: 28% do domínio original dessa floresta úmida contam ainda com vegetação nativa. Cumprindo-se a lei, daria para chegar a 35% de modo relativamente rápido, tirando a mata atlântica do presente purgatório.

O trabalho fez parte da tese de doutorado de Camila Rezende na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi financiado pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Saiu publicado no último número do periódico científico “Perspectives in Ecology and Conservation”.

Para ser preciso, de mata atlântica propriamente dita apuraram-se 26% preservados. Os 2% que perfazem 28% correspondem a outros tipos de vegetação natural presentes no bioma de pouco mais de 1 milhão de km2 ao longo da costa brasileira, do Sul ao Nordeste.

Em levantamentos anteriores, realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em parceria com a ONG SOS Mata Atlântica (de cujo conselho administrativo este colunista participa), a parcela remanescente ficava entre 11% e 16%, a depender do critério empregado para definir os fragmentos mínimos de mata. A resolução (sensibilidade) dos sensores do satélite captava detalhes de 30 m X 30 m.

Dito de outra maneira, o novo mapa na prática quase dobrou a cifra da mata que permanece de pé. Isso se fez possível porque Rezende e colaboradores empregaram imagens de alta resolução, capazes de diferenciar tipos de cobertura vegetal (ou ausência dela) em pixels de 5 m X 5 m, fornecidas pela série de satélites RapidEye.

A acuidade aumentada dos “olhos rápidos” postos em órbita resulta em imagens muito mais precisas. Na base de 30 m, por exemplo, o mapa obtido da Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro aparece em situação muito pior do que a realidade, pois um colar de pequenos desmatamentos (na resolução de 5 m) se fundem para formar uma língua apavorante de amarelo em meio ao verde.

Não existe uma relação linear, porém, entre saúde do ecossistema e a capacidade de enxergar fragmentos de mata antes invisíveis. Vários desses pedaços são pequenos demais para permanecer viáveis, pois suas bordas se ressecam sob ação do ar quente soprado dos terrenos descobertos à sua volta.

Além disso, nem toda cobertura com árvores detectada por satélite tem a riqueza de espécies característica da mata atlântica. Muita coisa nessas manchas verdes são florestas secundárias, que crescem depois de serem abandonadas (antigos pastos ou plantações de café, por exemplo) e podem levar décadas e décadas para atingir o clímax.

Ainda assim, é melhor tê-las –e poder mapeá-las com maior precisão– do que não tê-las. E o levantamento patrocinado pela FBDS, que mapeou também o dobro de cursos d’água do que antes se conhecia, trouxe mais boas notícias.

Descobriu-se, entre outras coisas, que o déficit de áreas de preservação permanente (APPs) ao longo de rios e riachos é grande, de pelo menos 50 mil km2 (ou 5 milhões de hectares). Pela lei, teriam de ser restaurados até 2038, contribuindo assim, por sua natureza linear, para multiplicar corredores ecológicos nos quais a fauna pode circular.

Se um dia chegarmos lá, no cumprimento das leis, 35% da mata atlântica estariam reconstituídos. Seria o bastante para ela voltar a ser viável como um dos biomas mais ricos em espécies do mundo.

O limiar estabelecido por especialistas é de 70% de destruição. Acima disso, toda floresta perde a capacidade de manter a biodiversidade em sua plenitude. Com um pouco de esforço e respeito ao Código Florestal, a mata atlântica pode ressurgir como a floresta exuberante que maravilhou os portugueses e lhes deu o pau-brasil.

Há, no entanto, uma perspectiva mais sombria: que o dado animador ora publicado termine brandido pela turma arranca-toco como evidência de que o ambientalismo se move por ideologia e espalha supostas notícias falsas sobre a destruição da mata atlântica.

Nada disso: é o próprio ambientalismo, em sua melhor vertente, aquela que se baseia na ciência de primeira qualidade, que vem a público com novos e melhores dados.

Governantes, cientistas ou administradores que não sejam movidos por má-fé deveriam saudá-los e empregá-los para restaurar uma floresta que deu nome ao país e ainda abriga 125 milhões de brasileiros, 70% do PIB, 2.420 espécies de vertebrados e 20 mil de plantas –380 e 1.544 das quais, respectiva e infelizmente, se encontram hoje ameaçadas de extinção.

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