Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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O que Onyx Lorenzoni pode aprender com a Noruega

Futuro ministro irritou-se com perguntas sobre preservação do ambiente e atacou Noruega

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 Indicado para a Casa Civil pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), Onyx Lorenzoni (DEM) irritou-se com perguntas de jornalistas sobre preservação do ambiente e lançou ataques à Noruega. Logo à Noruega, cujo governo destinou US$ 1,1 bilhão (R$ 4,1 bilhão) ao Fundo Amazônia para conservar as florestas brasileiras.

“E a floresta norueguesa, quanto eles preservaram?”, bradou o futuro ministro.

Lorenzoni deu outra mostra de precipitação ao repetir informação errada do chefe: “Vocês lembram que ele mesmo [Bolsonaro] falou na semana passada dos tais dos R$ 14 bilhões de multa, as ONGs nacionais e internacionais levam 40% desse dinheiro”.

O deputado, ao que parece, se referia a multas do Ibama. Esta autarquia, entretanto, jamais lavrou sanções nesse montante anual; a cifra correta fica em torno de R$ 3 bilhões anuais.

Mais ainda: em média, só 5% disso termina de fato recolhido aos cofres, por força dos muitos recursos e da burocracia. Ou seja, o dinheiro recolhido se reduz a uns R$ 150 milhões por ano, ou 1% da cifra propagandeada pelo presidente eleito e seu auxiliar.

Quanto aos 40%, tudo indica que na mira do futuro chefe da Casa Civil estava a política federal de converter multas em financiamento de projetos ambientais. Ora, para o sistema de conversão funcionar, as verbas são objeto de editais e de pré-seleção, aos quais ONGs podem concorrer, sim —tal como institutos, universidades, associações etc.

A matriz da reação bolsonariana é a antiquada doutrina militar da cobiça internacional sobre a Amazônia. Receber dinheiro do exterior para proteger a floresta implicaria perda de soberania, reza a cartilha ultranacionalista, pois imobilizaria parte do território nacional para o “desenvolvimento”.

Qual desenvolvimento? Segundo essa lógica, derrubar floresta para criar menos de uma cabeça de gado por hectare e criar empregos raros e ruins. Foi o que mais se fez durante a ditadura militar, inclusive com incentivos fiscais.

A Noruega nada exige do Brasil. Pôs um monte de dinheiro no fundo e disse que o BNDES pode sacar para custear projetos aprovados, após cuidadosa análise, na exata proporção de quanto for capaz de diminuir a taxa de desmatamento na Amazônia.

Se conseguir fazer a devastação cair, saca. Se deixar aumentar, não saca. A esse respeito, uma má notícia para o Brasil: o desmatamento saltou 49% de agosto a outubro. Não por coincidência, foi o período eleitoral em que Bolsonaro despontou como favorito.

Perderam-se 1.674 km² de floresta amazônica nesses três meses, em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. Na Noruega, onde as mudanças no uso da terra são muito mais lentas, o monitoramento se faz de cinco em cinco anos, e no último deles publicado (2006-2012), e foram menos de 100 km² –em cinco anos, repita-se.

É fato, por outro lado, que a Noruega chegou muito perto de dizimar suas próprias florestas. Segundo esta reportagem (em inglês) da BBC, na passagem do século 19 para o 20 quase nada mais restava, tamanha era a retirada de madeira.

Oslo não dormiu no ponto. Ainda em 1919 o governo começou a recensear a área florestada e as quantidades de madeira extraída e restante. Com manejo racional, ou seja, cortando volume menor do que a natureza conseguia repor, as árvores voltaram a crescer.

Hoje, mais de um terço do país nórdico é coberto de florestas. Só se corta metade do volume de madeira produzida. A metade que permanece de pé compensa mais ou menos 60% das emissões de carbono da economia norueguesa, segundo a BBC, dado que a fotossíntese por trás do crescimento das árvores retira CO2 lançado na atmosfera por outras atividades produtivas.

No Brasil, a agropecuária permanece como a maior fonte nacional de poluição climática, sobretudo por causa do desmatamento. Responde por mais de 70% do carbono emitido pela economia brasileira, segundo dados do ano passado do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (Seeg).

O Seeg é uma iniciativa da sociedade civil, um esforço de pesquisa bancado por quatro dezenas de ONGs (várias delas beneficiadas com recursos internacionais). Na quarta-feira (21), elas lançarão nova estimativa, e será uma lástima se a equipe de transição de Bolsonaro não tomar nota.

O governo da Noruega, por seu turno, presta muita atenção no que dizem os membros do governo em formação. Seu embaixador no Brasil, Nils Martin Gunneng, afirmou que seu país aprendeu muito a respeito de preservação com o Brasil.

Gunneng convidou Onyx Lorenzoni para uma conversa e disse: “São dez anos de parceria entre nossos países, e os resultados [obtidos] pelo Brasil, pelo Fundo Amazônia e pelo BNDES são impressionantes. Temos orgulho de ter contribuído”.

Eis o que o futuro chefe da Casa Civil pode aprender com a Noruega: fazer a lição de casa, aplicar recursos de modo eficaz para preservar o ambiente e comportar-se com elegância. Se quiser, claro.

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