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Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Uma epidemia de violência contra a mulher

Crimes afetam as vítimas, as famílias e a sociedade como um todo

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Em 2022, todas as formas de violência contra a mulher cresceram no Brasil, conforme reportado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mais especificamente, houve aumento de casos e tentativas de homicídio e feminicídio, da proporção de feminicídios em relação aos homicídios, de violência doméstica e psicológica, de estupros e estupro de vulnerável, de chamadas 190 e de solicitações de medidas protetivas.

Em média, 2022 registrou diariamente quase quatro feminicídios, 673 casos de violência doméstica, 17 casos de assédio sexual, 50 estupros e 156 estupros de vulnerável. Já as medidas protetivas foram cerca de 60 solicitadas e 51 concedidas por hora (apenas 85% das medidas foram atendidas). Números do primeiro semestre de 2023 indicam uma piora nessas estatísticas.

A caraterística demográfica das vítimas espelha um lado ainda mais dramático da violência. Feminicídios e estupros são majoritariamente cometidos contra mulheres negras, replicando inequidades observadas em outros indicadores sociais.

Cartazes exibidos durante ato em São João do Meriti, no Rio - Eduardo Anizelli - 13.jul.22/Folhapress

Considerando a faixa etária, 61,4% dos estupros em 2022 tiveram como vítimas crianças menores de 13 anos e 10,4% tinham menos de quatro anos. Diariamente, 19 crianças menores de quatro anos foram estupradas. Na maioria dos casos, o agressor era um familiar.

O número de estupros em 2022 é o maior já reportado, ainda que seja apenas uma fração do número real. Isso porque os números do anuário têm como fonte os boletins de ocorrência, ou seja, são os casos em que as vítimas buscam a ajuda do Estado.

Uma fonte alternativa, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva/Sinan) do Ministério da Saúde, também apresenta sub-registro uma vez que inclui apenas os casos que chegam ao serviço de saúde.

Conforme mostrou um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada publicado neste ano, apenas 8,5% dos estupros são reportados à polícia e 4,2% chegam ao serviço de saúde. Assim como o estupro apresenta sub-registro, as demais estatísticas de violência contra a mulher quase que certamente também estão subenumeradas.

Ou seja, se os números reportados pelos boletins de ocorrência ou pela saúde já revelam uma situação crítica, a realidade é muito pior do que se enxerga nas estatísticas oficiais. Um boletim das Nações Unidas considera o feminicídio na América Latina uma epidemia oculta, um retrato da violação de direitos humanos das mulheres.

Um outro tipo de violência, e para a qual não há legislação federal específica no Brasil, é a obstétrica. Uma pesquisa da Fiocruz mostrou que entre 2011 e 2012 a violência obstétrica foi reportada por 45% das mulheres atendidas na rede pública e 30% das atendidas na rede privada. Frente a esse problema, em março deste ano foi criada a Comissão Especial sobre Violência Obstétrica e Morte Materna na Câmara dos Deputados. No dia 21, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal irá lançar a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher com dados para 2022. A mensagem não deverá ser muito diferente do que já foi divulgado.

A violência contra a mulher não é um problema novo. Mas a piora recente não se deu por acaso. A redução do orçamento e de ações para enfrentamento da violência contra a mulher entre 2019 e 2022, o impacto da pandemia de Covid-19 e a tendência conservadora em vários níveis decisórios do país certamente contribuíram (e ainda contribuem) para esse cenário.

A violência contra mulheres e meninas afeta as vítimas, as famílias e a sociedade como um todo. A violência viola direitos humanos, rouba um futuro digno e expõe o lado mais sórdido do ser humano.

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