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Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

Política pública requer ciência em vez de palpites

No atual governo, protocolos baseados em evidências perderam relevância

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Em um livro surpreendente, "The Checklist Manifesto", Atul Gawande, médico e professor de Harvard, descreve a importância de protocolos baseados em ciência para a disseminação de conhecimento especializado.

Gawande começa relatando alguns casos inesperados de intervenção médica para ilustrar a complexidade dos procedimentos frequentemente necessários. Depois de histórias inacreditáveis, ele despeja números gigantescos sobre as doenças catalogadas e os procedimentos necessários em cada circunstância.

Há poucas décadas, pessoas morriam usualmente porque não sabíamos como tratá-las. Atualmente, argumenta Gawande, há muito o que fazer, ainda que tenhamos bem mais a aprender.
Mesmo em caso de doenças bem conhecidas, porém, saber o tratamento adequado a cada paciente vai além do treinamento humanamente possível.

A saída tem sido a adoção de protocolos detalhados para o diagnóstico e a intervenção médica nos diversos casos. O mesmo ocorre em outras áreas, como aviação ou engenharia. Seguir os manuais e executar os procedimentos da ciência permite salvar vidas, evitar acidentes aéreos e construir eficientemente prédios cada vez mais complexos.

Protocolos que respeitem a ciência, entretanto, não parecem ser usuais no atual governo. O Palácio do Planalto improvisa ao sugerir tratamentos que não se revelaram eficazes em testes controlados.
Aparentemente, o presidente prefere os palpites fáceis e oportunistas sugeridos por seus interlocutores de passagem à evidência da ciência. Ele parece não entender muito de gestão pública. Menos ainda consegue se cercar de pessoas que saibam de temas como experimentos randomizados ou correlações espúrias. A ignorância, contudo, não deveria ser salvo-conduto para o descalabro.

Não foi apenas a cloroquina. O presidente, em maio de 2019, anunciou "um projeto que, com todo respeito ao Paulo Guedes, a previsão de nós termos dinheiro em caixa é maior do que a reforma da Previdência em dez anos". "Com toda a certeza será aprovado aqui por unanimidade nas duas Casas."

Ele denunciou propostas de "taxar o sol", aparentemente não compreendendo bem os subsídios cruzados no setor elétrico. Recentemente, falou em "guerra radiológica".

Sem protocolos para avaliar o que fazer e sem capacidade para implementar medidas, o Palácio se exaspera na tentativa de ganhar a quizumba de versões, ainda que isso custe vidas.

"Corremos o risco de assistir a obituários nas manchetes enquanto o resto do mundo se vacina à larga", escrevi aqui há cinco meses. Cada semana que passa, dói-me mais escrever uma nova carta de pêsames para alguém próximo que perdeu um ente querido.

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