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Jornalista e roteirista de TV.

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Meu amigo Tony Goes

Tony era um cara espirituoso e amoroso, com um texto perspicaz e charmoso

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Conheci o Tony Goes por e-mail, em 2009. Ele respondia a um chamado no Facebook que procurava um colunista que assumisse uma página criada por mim para a Women’s Health, batizada "Pergunte ao Amigo Gay". Quinze anos depois, isso me soa tão estranho quanto saber que Tony nos deixou nesta manhã.

Revisitar aquela época mostra como o zeitgeist no final dos anos 2000 era ainda mais excludente do que hoje. Um "amigo gay" era tratado muitas vezes como acessório, não como indivíduo. Nesse caso, um personagem de revista. A maioria de nós já deve ter se referido a alguém dessa forma: fulano, aquele meu amigo gay, como se falasse de uma bolsa Prada/Winter 2025.

O colunista da Folha Tony Goes em dezembro de 2019 - Reprodução/TV Globo

Naquela época, foram lançados livros e filmes com a temática da amizade, da conexão e das afinidades entre mulheres e homossexuais. Era este o espírito da coluna, um amigo sincerão e bem-humorado que desse a real sobre relacionamento, sexo, moda, trabalho. Durante o primeiro ano, as perguntas enviadas pelas leitoras foram respondidas por um jornalista que se encaixou no perfil estético que a revista queria: bonito, jovem e sarado. Mas o texto estava longe do que eu imaginava. Procurava algo inteligente, provocador, sarcástico.

Por isso resolvi apelar ao Facebook, que fez o trabalho de levar a proposta até Tony. Ele topou um teste, assim como várias outras pessoas, respondendo três perguntas. Para mim era ele, sem dúvida. Mas havia um problema. Tony não era o gay bonito, jovem e sarado, o padrão esperado de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, no mercado editorial. Era, no entanto, o texto mais refinado, mais divertido, mais inteligente de todos os que eu havia recebido. Bati o pé e Tony Goes foi o titular de "Pergunte ao Amigo Gay" durante muitos anos, continuou lá quando deixei a revista, em 2012. Nos tornamos amigos.

Tony diz que se divertia muito com a coluna e percebia que os problemas eram sempre iguais. Insegurança, autoestima, coração partido. "Vocês sofrem demais por tudo", me disse. E não aguentava mais receber perguntas de mulheres atormentadas por inusitados pedidos de "fio terra" de seus maridos, namorados, peguetes. "É gay?", queriam saber seu veredito.

Hoje passei algumas horas relendo e ouvindo nossas conversas no WhatsApp. "Tem um cara xingando a gente no Instagram", escrevi em maio do ano passado. "Eu e você? É a glória. Vamos mandar emoldurar", ele respondeu. Tony era corajoso, haja vista tantas opiniões que fugiam do consenso, que desafiavam as verdades das redes, que analisavam as várias camadas que as notícias quase sempre têm. Mas ele era, sobretudo, equilibrado, algo tão raro nesse momento em que colunistas adoram jogar para torcida e se vendem por likes para evitar linchamentos.

Seríamos cancelados se nossos diálogos vazassem. Mas eu estaria em excelente companhia. Tony foi um baita publicitário, roteirista, colunista, autor. Foi um cara espirituoso e amoroso. Foi uma conversa inteligente e fresca, um texto perspicaz e charmoso.

Sobre o fio terra, meu amigo Tony Goes responde: "Não sei se seu namorado é hétero, bi ou tri. Mas uma coisa é certa: ele é perfeitamente normal. As terminações nervosas 'lá embaixo' são exatamente idênticas para homens e mulheres. E determinados estímulos são mesmo uma delícia, não importa a orientação sexual. A nossa cultura machista tenta fazer com que meninos repudiem essa fonte de prazer. Sorte dele –e sua também. Agora vocês têm um motivo a mais para se divertir na cama."

Descanse, querido.

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