Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.
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Por motivos práticos argumentei anteriormente que os custos de um novo referendo sobre o Brexit (saída britânica da União Europeia) superam os benefícios. Considerei que um novo referendo seria excessivamente divisivo. Mas hoje se torna cada vez mais provável que não haja acordo com a União Europeia, ou que o acordo não seja ratificado pelo Parlamento. Isso mudaria minha posição? Sim.
Eu não via objeção em princípio a que o referendo de 2016 fosse repetido. A ideia de "um eleitor, um voto, uma vez" não é democracia. Os eleitores têm direito a mudar de ideia, individual e coletivamente. Além disso, o eleitorado mesmo mudou. Os motivos para minha rejeição eram práticos: seria difícil organizar um novo referendo em tempo; poderia ser difícil conseguir que a União Europeia consentisse na retirada da notificação do Brexit; além disso, o resultado poderia ser abandonar a união sem acordo. Acima de tudo, um país profundamente dividido poderia emergir ainda mais dividido.
Ao apresentar esse argumento, eu presumi que a primeira-ministra viria a chegar a um acordo para a saída britânica, e que conseguiria aprová-lo no Parlamento. Um acordo nesse sentido teria significado que a saída do Reino Unido foi razoavelmente harmoniosa, o que por sua vez permitiria negociações quanto ao relacionamento em longo prazo com a União Europeia.
Um acordo preservaria o relacionamento amistoso com os mais importantes parceiros do Reino Unido, excetuado os Estados Unidos: os países europeus que compartilham com os quais compartilha de seus valores e de um continente, e a cujo destino, para o bem ou para o mal, o Reino Unido está entrelaçado, eterna e inevitavelmente. Nesse contexto, um resultado potencialmente aterrorizante de um novo referendo poderia ser a rejeição do acordo que foi alcançado, e não uma decisão de retirar a notificação apresentada sob o Artigo 50.
Seria uma decisão por sair sem acordo. E essa possibilidade basta para sublinhar a dificuldade prática de um novo referendo: o número de escolhas. Três seriam possíveis: aprovar o acordo; retirar a notificação de saída; e sair sem acordo. É possível organizar uma votação nesse sentido. Mas fazê-lo da maneira apropriada seria um processo pouco familiar, e provavelmente bastante impopular. Além disso, há a possibilidade de que uma preferência clara não seja expressada.
Suponha, porém, que não haja acordo a submeter aos eleitores. As escolhas se reduziriam a duas: sair sem acordo ou retirar a notificação. Isso seria bem mais simples.
Se de fato não houver acordo, certamente isso aconteceria por o Reino Unido não aceitar manter permanentemente aberta sua fronteira com a Irlanda. Mas seria extremamente estúpido, para as duas partes, deixar de chegar a um acordo por isso, porque o resultado final seria uma fronteira rígida com a Irlanda. Seria loucura para a União Europeia, determinada a apoiar a Irlanda, insistir em um processo que teria exatamente o resultado que ela busca evitar. Mas loucuras acontecem. Nesse jogo de blefes, a União Europeia pode estar esperando que o Reino Unido ceda, e isso não acontecerá.
O que resta, então? Há quem argumente que as coisas ficarão bem, sem acordo. Mas isso é um erro. O Reino Unido perderia um relacionamento comercial altamente favorável com - de longe - o mais importante de seus parceiros, e mais os acordos preferenciais da União Europeia com outros países. E o faria em troca de acordos hipotéticos (e certamente menos favoráveis) com outros países, em algum momento do futuro.
Seria uma transição difícil e possivelmente demorada, enquanto o dia a dia do comércio internacional do país se reorganiza. A confiança daqueles que investiram no Reino Unido presumindo que este se manteria como integrante do mercado unificado e da união alfandegária europeia seria solapada. A crença, mais profunda, em que o Reino Unido é governado por adultos capazes de compreender os interesses do país seria destruída.
Igualmente importante é que o Reino Unido teria de depender, para o comércio de bens e serviços, a segurança, a justiça e muitas coisas mais, da cooperação de países cujo projeto central ele escolheu abandonar. E ainda assim nos dizem que os britânicos seriam protegidos contra a ira de seus parceiros pela OMC (Organização Mundial do Comércio) - que costuma ser impotente em seus melhores momentos, e agora está sendo subvertida pelos Estados Unidos.
É possível que os 52% de eleitores que optaram por sair da União Europeia estejam seguros de sua decisão, independentemente dos custos e circunstâncias. Mas também é bastante provável que muitos deles desejassem sair com um acordo de retirada e com ao menos a possibilidade de um relacionamento estreito com a União Europeia, no comércio e outras áreas. Se sair sem acordo é a insensatez que emergirá dos processos em curso, as pessoas merecem que lhes seja perguntado se é isso que elas realmente desejam. Se a resposta for "sim" uma segunda vez, que seja.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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