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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Suleimani cometeu crimes, mas sua popularidade no Irã era inquestionável

Donald Trump liquidou a governança global

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Mundialmente famoso desde a semana passada, Qassim Suleimani encarnava a figura literária do agente persa, negociador irascível, criativo e realista. Ele é apontado como o principal responsável pela expansão da esfera de influência de Teerã. Sob o seu comando, a Força Quds passou a operar na interface entre o aparato militar formal e informal, organizando uma rede de atores não estatais do Mediterrâneo à Caxemira.

Tal como as outras partes envolvidas no interminável conflito do Oriente Médio, Suleimani cometeu inúmeros crimes de guerra. Mas sua popularidade no Irã era inquestionável. Até os dissidentes do regime condenaram o seu assassinato. 

O funeral deste domingo (5) reuniu uma quantidade impensável de pessoas, só comparável à do funeral do líder supremo Khomeini. Ao que tudo indica, o governo de Hassan Rowhani, confrontado a poderosas revoltas sociais, saiu reforçado pelo ataque dos EUA.

Em Beirute, garota segura foto do general iraniano morto pelos EUA Qassim Suleimani durante cerimônia para lembrar sua memória - Aziz Taher/Reuters

Outros motivos tornam a morte de Suleimani ainda mais excepcional. Ele não era um terrorista que vivia escondido na mais absoluta ilegalidade, mas uma autoridade de um Estado soberano. Uma das convenções mais elementares das relações internacionais estabelece que devem ser evitados ataques sumários a diplomatas, ministros e militares de alta patente. 

Esse acordo tácito torna possível o diálogo entre os piores inimigos. É, por exemplo, amplamente conhecido que as forças ocidentais contaram com o apoio dos militares iranianos para derrotar os talibãs afegãos e, mais tarde, o Estado Islâmico.

O general Suleimani pilotava uma guerra por procuração no Iraque, mas o Irã não estava em guerra declarada com os Estados Unidos. Ele não era o general Yamamoto, o arquiteto do ataque de Pearl Harbor liquidado em 1943 a pedido de Franklin Roosevelt, nem o líder Muammar Gaddafi, financiador de um ataque terrorista contra civis americanos e alvo de um ataque aéreo aprovado, mas nunca oficialmente reconhecido, por Ronald Reagan em 1986.

Até para os padrões dos juristas de Washington, que esticaram ao máximo o direito de conduzir assassinatos extrajudiciais na era Barack Obama, Suleimani era dificilmente um alvo legítimo. 

A justificativa avançada, de que o iraniano preparava um ataque iminente, parece tão frágil quanto as armas de destruição em massa iraquianas. A relatora da ONU sobre assassinatos extrajudiciais, Agnes Callamard, já indicou que Donald Trump pode ter agido ilegalmente.

A involução das relações entre os Estados Unidos e o Irã é a melhor ilustração do impacto catastrófico de Donald Trump na governança global. Formalizado em 2015, o acordo nuclear, uma peça exímia de diplomacia e ciência de ponta, criava condições para a reinserção internacional do Irã. 

Motivado pela ânsia infantil de obliterar o legado de Barack Obama, Trump rasgou o compromisso e regressou ao regime medieval de sanções, na origem de uma crise humanitária tão inútil como brutal. 

Depois de reacender o conflito, ele autoriza o assassinato ilegal de uma figura chave e ameaça cometer crimes contra a humanidade no Twitter. E ainda há quem se sinta mais seguro vivendo nesse mundo sem leis nem reis.

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