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Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

'O Bem-Amado', de Dias Gomes, ocupou vazio que não foi mais preenchido

Novela ajuda a entender por que dramaturgo, cujo centenário se comemora nesta semana, merece todas as homenagens

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Político tradicional, Odorico Paraguaçu difundiu fake news até no momento de morrer. No chão, amparado pela secretária Gisa, após levar três tiros de Zeca Diabo, o prefeito balbuciou, enquanto o sangue escorria pela boca: "Foi pago pra me matar. Interesses antipatrióticos. Uma superpotência. Trama internacional. Materiais atômicos. Eles querem tomar Sucupira. Eles querem dominar o mundo. Apenasmente", disse, antes de concluir. "Dona Gisa, eu acho que tô chegando aos finalmente."

Odorico Paraguaçu, vivido por Paulo Gracindo, em ‘O Bem-Amado’, primeira novela a cores da televisão brasileira - TV Globo/Nelson di Rago


Após 178 capítulos tentando encontrar um corpo para inaugurar o cemitério, coube ao próprio prefeito a honra de ser o primeiro a baixar à sepultura no campo santo da cidade. Um final brilhante para o protagonista de uma novela antológica.

"O Bem-Amado" foi exibido entre 22 de janeiro e 3 de outubro de 1973. Na vasta obra de Dias Gomes, esta novela não é necessariamente a melhor coisa que fez, mas ocupou um vazio na televisão que até hoje ainda não foi devidamente preenchido –o da ficção com base na realidade política brasileira.

Em 1977, quando a novela "Despedida de Casado" foi cancelada pela censura antes da estreia, a Globo reapresentou "O Bem-Amado" como tapa-buraco, ao longo de seis meses.


Até que em abril de 1980, Dias Gomes transformou "O Bem-Amado" em uma série. Logo no capítulo de estreia, intitulado "A Ressurreição de Odorico Paraguaçu", ele resolveu da maneira mais simples possível o problema criado por Zeca Diabo no último capítulo da novela. Arrumando o cemitério, o coveiro ouve um "toc-toc" vindo da sepultura. E Odorico sai de lá, não com o terno marrom que usava quando morreu, mas com um azul, de listras.

Paulo Gracindo voltou a encarnar o personagem por 220 episódios, ao longo de cinco temporadas. Ao final da quarta, em 1983, a Globo anunciou o fim da série, mas um abaixo-assinado levou Boni a prolongar a vida do programa por mais um ano.

Encabeçado por Carlos Drummond de Andrade, e também com o apoio de Antônio Houaiss, Ferreira Gullar, Oscar Niemeyer, Edu Lobo e Manabu Mabe, entre outros, o texto dizia que "O Bem-Amado é para a televisão brasileira o que Macunaíma é para a literatura. Esta obra só dignifica a televisão brasileira".


Ainda na década de 1980, Dias Gomes publicou dois livros de contos com histórias tiradas de "O Bem-Amado", os divertidos "Sucupira, Ame-a ou Deixe-a" e "Odorico na Cabeça", ambos pela Civilização Brasileira.

Em 2010, Guel Arraes transformou "O Bem-Amado" num filme, com Marco Nanini como Odorico. No ano seguinte, a Globo desdobrou o longa-metragem em quatro episódios e o exibiu na TV como uma microssérie.

Em 2020, no auge da pandemia de coronavírus, a atualidade da obra de Dias Gomes voltou a ser comprovada com o resgate de cenas sobre uma epidemia de tifo que ameaça matar parte da população de Sucupira. "E daí?", desdenha Odorico ao ser informado.


Em fevereiro de 2021, o Globoplay passou a oferecer a íntegra da novela para os seus assinantes. E, em agosto deste ano, a história ganhou uma versão musical, com Cássio Scapin como Odorico, encenada em São Paulo.

Nascido como um texto teatral, montado em 1965, a trajetória de "O Bem-Amado" é magnífica e ajuda a entender por que Dias Gomes, cujo centenário de nascimento se comemora nesta semana, merece todas as homenagens.

Odorico Paraguaçu e Sucupira seguem vivos, como retratos do Brasil. Seria cômico, se não fosse trágico.

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