Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Pantanal' até aborda polêmicas, mas tem receio de irritar conservadores

'Vamos mudar o rumo dessa prosa', frase dita para interromper qualquer conversa delicada, é quase um bordão da novela

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As novelas na TV brasileira quase sempre foram escritas buscando capturar o interesse de um espectador que as pesquisas descrevem como, majoritariamente, do sexo feminino, pouco atento e com formação escolar baixa. Daí a necessidade de o texto ser muito claro, objetivo, didático e básico, além de redundante.

Na história da teledramaturgia, há um grande número de autores que desafiaram esse modelo, propondo histórias com texto inteligente, temáticas originais e discussões ousadas.

O caso mais recente foi de "Um Lugar ao Sol", de Lícia Manzo, exibida entre novembro de 2021 e março deste ano. Por causa da pandemia, a produção da novela sofreu inúmeros percalços e a Globo optou por
gravá-la quase inteiramente antes de começar a exibi-la.

Cena da novela 'Pantanal', da Rede Globo
Cena da novela 'Pantanal', da Rede Globo - Reprodução

Ainda assim, como escrevi na época, a história de Manzo mostrou muitos pontos positivos. Com um texto muito bem escrito, apresentou personagens com múltiplas camadas, discutiu temas relevantes em matéria de comportamento e moral, além de também falar sobre o abismo entre classes sociais que existe no país.

Não sei se por culpa de suas qualidades ou por causa do momento complicado em que foi exibida, "Um Lugar ao Sol" terminou como a novela com a mais baixa audiência na história do horário nobre da Globo.
Foi substituída por "Pantanal", remake de um clássico dos anos 1990, muito bom, mas infinitamente mais simples que a novela anterior. A trama de Benedito Ruy Barbosa, adaptada por Bruno Luperi, é uma fábula que evoca bons sentimentos.

A novela questiona o machismo, a homofobia e oferece lições sobre os problemas ambientais causados pela ganância e a exploração desenfreada da terra. Estes temas mais polêmicos, porém, raramente ganham corpo. Um observador mais otimista diria que Luperi dá lições sem precisar falar, ou "editorializar" a narrativa. Com base na repetição, e não na ênfase, o espectador seria capaz de apreender o subtexto da crítica.

Mais pessimista, eu creio que autor rebaixa os temas polêmicos por receio de aborrecer o espectador mais conservador. "Vamos mudar o rumo dessa prosa." A toda hora alguém diz essa frase. É quase um bordão em "Pantanal" e serve para interromper qualquer conversa mais interessante e delicada.

O maior acerto de "Pantanal" é o flerte com o realismo mágico. Barbosa e Luperi foram muito bem-sucedidos na forma como propõem ao espectador momentos realmente doces, bem-humorados e emocionantes por meio de três personagens: a mulher que encarnou numa onça, o peão que fez pacto com o demônio e o idoso, visível só para alguns, que protege a floresta dos homens maus.

Já havia um tanto de nostalgia nessa abordagem do realismo mágico em 1990, quando a Manchete exibiu a novela. Nos dias de hoje soa mais como resgate, uma lição ao grande público sobre a ausência de limites da ficção. A série "Cidade Invisível", da Netflix, também explorou recentemente esse caminho, em torno do folclore brasileiro, mas sem o impacto da novela da Globo.

O cansativo é o fato de girar repetidamente em torno dos mesmos dois ou três temas. É uma novela com poucos personagens, quase como se fosse uma série, mas com previsão de cerca de 150 capítulos. Falta assunto e história. E coragem de desafiar mais o espectador.

Fosse falada em outra língua, alguém diria que "Pantanal" é uma produção da Disney. Tivesse duração de 50 capítulos, o público imploraria por uma segunda temporada.

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