Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Televisão

'Pacto Brutal' passa a fazer parte da caótica cobertura do caso Daniella Perez

Trinta anos depois do crime, a série da HBO Max se torna, ela própria, mais um elemento a merecer uma futura análise

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No início de 1993, pouco tempo depois do assassinato de Daniella Perez, foi ao ar um Globo Repórter sobre o caso. Um dos destaques do programa era a cena que a atriz havia gravado com Guilherme de Pádua horas antes do crime.

As imagens "não foram exibidas na novela por determinação da emissora", informa o repórter Marcelo Rezende. Na cena, que pode sugerir aos mais desavisados um paralelismo entre ficção e realidade, os personagens Yasmin e Bira discutem as razões do término do romance entre eles. "Eu quero entender por quê", diz Bira. "Por quê? Porque não estou apaixonada por você", responde Yasmin.


As imagens foram incluídas na série documental "Pacto Brutal", mas o comentário que Rezende faz em seguida ficou de fora: "É uma cena incomum na carreira medíocre de Guilherme de Pádua. Ele conseguiu passar para o personagem Bira a tensão característica de um homem que ama e é rejeitado. Só que a tensão não era de Bira, mas sim do assassino Guilherme, que a esta altura já sabia que a vida de Daniella Perez, uma menina de apenas 22 anos, estava chegando ao fim".

Ainda no Globo Repórter, o apresentador Celso de Freitas afirma: "Qual o motivo para a morte de Daniella Perez? Para tentar entender o inaceitável, foi-se buscar explicação no perfil psicológico do ator Guilherme de Pádua. Descobriu-se que ele encarnou na vida real seu papel preferido no palco: garoto de programa e assassino".

Quase dois anos depois, em setembro de 1994, o jornal O Globo publicou trechos do então inédito livro que Pádua escreveu na prisão, contando uma nova versão da história, na qual culpava a ex-mulher e cúmplice no assassinato, Paula Thomaz. "As revelações de um criminoso", diz a chamada na primeira página.

Dois dias depois, um grupo de 238 profissionais da TV Globo enviou uma carta de protesto, dizendo que o jornal "assumiu como verdade que Pádua e Daniella tinham um envolvimento sentimental nos intervalos das gravações". A carta foi publicada com a observação de que O Globo enxergou no texto "uma tentativa inadmissível de censura".

Estes dois episódios ajudam a dar uma ideia do que foi a cobertura do caso —um dos maiores, senão o maior, circo jornalístico já criado em torno de um crime no Brasil.

Como o repórter Guilherme Genestreti esmiuçou em excelente reportagem na Ilustrada, esta é apenas uma das infinitas camadas que a morte de Daniella Perez ofereceu ao público. Para o meu gosto, a loucura midiática que o caso gerou seria o assunto principal de "Pacto Brutal", lançado há uma semana com investimento promocional acima da média pela HBO Max.

Os diretores da série, Tatiana Issa e Guto Barra, optaram por outros caminhos. O trabalho dos jornalistas está presente nos dois primeiros episódios, mas a prioridade parece ser mostrar como a morte da atriz foi sentida e impactou a mãe, o marido e os amigos.

É, de fato, é uma história muito comovente, e a série emociona ao mostrar como abalou e transformou a vida de Gloria Perez, mãe de Daniella e autora da novela que estava no ar com a atriz e o seu assassino.

A decisão de não dar voz aos dois condenados pelo crime se tornou um dos principais assuntos gerados pelo documentário. Antes mesmo que alguém protestasse contra essa escolha, Gloria e os diretores expuseram o ponto de vista de que a versão de Guilherme e Paula está nos autos do processo e que entrevistá-los hoje seria dar "palco para psicopata" e revitimizar a vítima.

Desta forma, 30 anos depois do crime, a série "Pacto Brutal" se torna, ela própria, mais um elemento a merecer uma futura análise sobre a caótica cobertura do caso.

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