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'A gente está dando a cara a tapa para mais meninas se sentirem representadas', diz Natália Lara, narradora da Globo

Destaque em sua primeira transmissão olímpica na Globo, ela relembra início na profissão e fala sobre locuções em que tinha apenas os pais como ouvintes

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Nome em ascensão dentro da Globo, a narradora Natália Lara, 30, ouviu de mais de um professor na faculdade de rádio e TV e no curso de locução que fez após a graduação que tinha uma voz boa para fazer narrações esportivas. Mas ouviu também que era uma área difícil, afinal, não existiam mulheres na função.

"Um deles me falou assim: 'Você vai ter que quebrar muitas barreiras, mas nós vamos fazer um trabalho sério, vamos treinar bastante e as portas vão se abrir'", conta Natália à coluna. "Eu acreditei nisso e trabalhei firme", completa ela.

A narradora Natália Lara - Globo

As Olimpíadas de Paris foram as primeiras narradas por Natália na TV aberta. Contratada pelo Grupo Globo em 2021, ela atuou nas transmissões dos Jogos de Tóquio pelo canal fechado SporTV.

Paulistana da Vila Matilde, na zona leste de São Paulo, Natália conta que sempre gostou de esportes e até chegou a sonhar em ser jogadora de futebol profissional.

Mas na adolescência e no início da fase adulta ela foi se distanciando da prática e do assunto, e virou aquela pessoa que só se interessava pelo tema em época de Copa do Mundo e de Olimpíadas. "Nunca me sentia bem-vinda nas rodas de conversa sobre esportes porque eram sempre homens falando. Acho que todas as mulheres já tiveram esse momento na vida, de não se sentirem pertencentes. Comigo não foi diferente", relata.

No final da adolescência, Natália se aproximou do teatro e da música. Na hora de escolher que profissão seguir, ela diz que procurou alguma que tivesse um pouco a ver com a área e optou por rádio e TV.

Nos anos em que frequentou o curso na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, ela afirma ter percebido que o seu negócio era realmente a locução. Chegou até a fazer uma radionovela em uma das aulas.

Ao final da graduação, a sua ideia, revela, era ser locutora de rádio AM e dubladora. Foi quando procurou uma formação extra na área e ouviu de outros professores que levava jeito para a narração esportiva. Mesmo não tendo referências femininas, Natália afirma que decidiu se arriscar por achar a profissão "muito fascinante".

O caminho não foi fácil. Cerca de cinco anos atrás, entre 2018 e 2019, Natália narrava jogos do Campeonato Brasileiro em pequenas webradios da internet, sem ser remunerada —e, em muitas transmissões, tendo apenas seus pais como ouvintes.

Em um determinado momento daquele período, ela conta que quase desistiu de seguir na área. "Teve um dia em que eu acordei e pensei: 'Não está acontecendo nada na minha vida. Estou completamente estagnada, não sei o que eu faço'."

Em conversa com a família, chegou a ser cogitado que ela seguisse por outro ramo. Natália, porém, não se convenceu. "Naquele mesmo dia, estava tendo um treino da seleção feminina [de futebol] no CT [Centro de Treinamento] do São Paulo, na Barra Funda. Eu virei para a minha mãe e falei: 'Vou lá. Vou tentar produzir conteúdo para as minhas redes, vou gravar vídeo, vou fazer algumas coisa'."

As jogadoras brasileiras se preparavam para o Torneio Internacional de Futebol Feminino, que seria realizado no estádio do Pacaembu. Natália conta que já se sentiu feliz só por estar naquele ambiente. "Quando estava acabando o treino, o pessoal da TV Cultura me ligou. Eles queriam me convidar justamente para narrar esse torneio internacional."

"A minha mãe até brincou: 'Às vezes é bom a gente chacoalhar a energia que está estagnada'. Foi o caso", relembra, entre risos. A partir dali, Natália não parou mais. Depois da Cultura, foi contratada como locutora esportiva na plataforma de streaming DAZN. Posteriormente, foi para o grupo Disney e, na sequência, para a Globo.

Nas Olimpíadas de Paris, Natália narrou 19 modalidades. Saber falar sobre diferentes esportes sempre foi um dos seus objetivos, embora ela revele que tenha um carinho especial pelo futebol praticado pelas mulheres.

Foi a modalidade que a motivou a seguir na narração. Em 2016, quando estava no último ano da faculdade sem saber muito por qual caminho seguir, Natália diz que ficou muito impactada com a eliminação das brasileiras pelas suecas, nos pênaltis, na semifinal das Olimpíadas do Rio.

Ela estava assistindo o jogo ao lado do pai e diz que chorou muito por entender que todo aquele reconhecimento que as mulheres estavam tendo no futebol iria por água abaixo. "E foi realmente o que aconteceu, voltou tudo à estaca zero."

Natália conta que, naquela hora, firmou um compromisso consigo mesma de ajudar, de alguma forma, que o futebol feminino no Brasil pudesse ter um reconhecimento maior. Um ano depois, quando decidiu ser, de fato, narradora esportiva, foi também com esse objetivo. "Foquei grande parte da minha carreira para isso", afirma.

Por isso, destaca ela, narrar a final olímpica das brasileiras contra as americanas na TV aberta foi a realização de um sonho. Para Natália, mesmo com a derrota por 1 a 0 para as adversárias, a situação hoje da seleção é muito diferente da de 2016.

Na visão dela, a conquista da medalha de prata após 16 anos sem o Brasil estar no pódio olímpico é um divisor de águas para a modalidade. "Estou muito esperançosa." A narradora também afirma estar animada com o fato de o país sediar a Copa do Mundo feminina de futebol em 2027. "Se a gente fizer bem feito, vai ser uma virada de chave."

Profissionalmente, Natália diz que o seu próximo sonho é fazer a cobertura de um grande evento in loco —nos Jogos de Paris, ela comandou as transmissões a partir dos estúdios da Globo, no Rio de Janeiro.

Questionada sobre como lida com ataques na internet pelo fato de ser uma mulher narrando jogos, Natália admite já ter ficado muito abalada. Depois de muita terapia e de conversa com pessoas próximas, ela afirma que decidiu ficar menos tempo nas redes sociais e ignorar comentários nocivos. "Meu lema é: ‘Não vou me intoxicar com coisas desnecessárias’."

"Sei que ninguém agrada todo mundo. A nossa grande missão é quebrar essa barreira [de mulheres narradoras] e as pessoas estarem cada vez mais acostumadas com as nossas vozes."

Diz também ter a mesma postura ao ler mensagens que incentivem uma rivalidade entre ela e Renata Silveira, outra narradora de destaque na Globo. Renata, que foi a primeira mulher a narrar jogos de futebol na emissora, nesta Olimpíada foi escalada para atuar no SporTV, enquanto Natália foi para a TV aberta.

"Para mim, uma das cenas mais icônicas desses Jogos Olímpicos foi a reverência da Simone Biles e da Jordan Chiles para a Rebeca Andrade no pódio da ginástica", cita. "Eu estava na Globo fazendo as Olimpíadas. A Renata estava no SportTV. Quando foi na Copa do Mundo [em 2022], eu estava no SportTV, e a Renata estava na Globo. Tem espaço para todas nós. Eu acho que tudo isso que a gente tem conquistado é mérito do nosso trabalho, do nosso esforço e do nosso coletivo", diz.

Simone Biles e Jordan Chiles (ambas dos EUA) reverenciam a campeã olímpica Rebeca Andrade - Reuters

"De vez em quando, você vê [comentários como]: 'Acho fulana melhor do que a outra'. É uma questão de preferência, mas não gosto de me intoxicar com esse tipo de rivalidade. Não adianta a gente ficar brigando uma contra a outra."

Natália destaca como um dos grandes lados positivos de ser narradora o fato de contar histórias inspiradoras e ser uma referência para outras mulheres. "O esporte tem um poder muito grande de transformar a vida das pessoas e a sociedade."

"A gente está aqui na frente, dando a cara a tapa, justamente para mais meninas se sentirem representadas."

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