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'Egos ditam hoje o caminho do SBT', diz Callegari, o melhor amigo de Silvio Santos

Executivo relembra trabalho ao lado do apresentador, diz não achar que Eliana seja uma estrela de primeira grandeza e critica ideia de Daniela Beyruti de tornar a emissora uma 'Disney brasileira'

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Ex-manda-chuva do SBT, Luciano Callegari , 86, conta que Iris Abravanel foi até a casa dele há cerca de cinco meses para fazer um pedido especial: Silvio Santos queria falar com ele. Os dois trabalharam juntos por mais de 40 anos, desde quando Silvio apresentava shows em circos, passando pela criação da emissora e durando até o fim dos anos 1990.

Desde a pandemia de Covid-19 o dono do SBT vivia recluso, recebendo poucas visitas. Callegari atendeu ao pedido e, no dia seguinte, foi vê-lo. O jantar na casa de Senor Abravanel, em São Paulo, reuniu as duas famílias. O ex-diretor do SBT, porém, achou que Silvio já não estava muito bem de saúde. "Eu sentia que ele queria falar alguma coisa, mas não conseguia", diz.

O ex-executivo do SBT Luciano Callegari - Folhapress

"O que ficou gravado [na minha memória] é que na hora em que eu estava saindo, ele me chamou numa outra sala e me perguntou se eu precisava de alguma coisa. Foi a última vez que eu falei com meu amigo", recorda. Silvio Santos morreu no dia 17 de agosto, aos 93 anos.

Callegari foi o braço-direito dele na fundação e nas primeiras décadas do SBT, quando a emissora conquistou a vice-liderança de audiência e chegou a ter embates com a Globo pelo primeiro lugar.

Na visão dele, o sucesso aconteceu porque ambos eram apaixonados por TV e conversavam dez horas por dia para debater os "melhores talentos para a programação e o que deveria ser feito". As brigas também eram frequentes, admite Callegari.

"Mas não tinha ego envolvido. A nossa intimidade e o fato de podermos falar tudo um para o outro, sem qualquer tipo de preocupação, ajudou no desenvolvimento da emissora", acrescenta.

Callegari saiu do SBT em 2000, quando Silvio assumiu também as decisões executivas da emissora.

Avesso a entrevistas, o executivo aceitou falar com a coluna por intermédio do seu filho Rogério. As respostas foram dadas por escrito.

Ele disse não ver com bons olhos os caminhos que Iris e as filhas de Silvio têm tomado nos últimos dois anos, quando começaram a assumir o comando dos negócios. "Nós vimos que a falta de experiência e os egos são o que ditam hoje o caminho do SBT."

Também critica a afirmação feita à Folha por Daniela Beyruti, filha número 3 e apontada como sucessora na condução do SBT, de querer transformar o canal numa "Disney brasileira". "É uma brincadeira, não pode ser levado a sério."

Callegari falou ainda sobre a aposta da emissora em contratar influenciadores e que vê "muito barulho na saída da Eliana". "Não acho que ela seja uma estrela de primeira grandeza", diz.

CLIQUE E LEIA TRECHOS DA ENTREVISTA

ENCONTRO

Eu não falava com o Silvio fazia um tempo, até que um dia a Iris foi na minha casa e me pediu para falar com ele. Ela passou a tarde comigo e com meu filho Rodrigo. No dia seguinte, fomos jantar na casa dela. Vi o Silvio, ele não estava bem. Eu sentia que ele queria falar alguma coisa, mas não conseguia. O que ficou gravado é que, na hora em que eu estava saindo, ele me chamou numa outra sala e me perguntou se eu precisava de alguma coisa. Foi a última vez que eu falei com meu amigo.

PARCERIA

A principal qualidade do Silvio é que quando ele pegava o microfone, em frente ao público, acontecia a mágica, as pessoas ficavam hipnotizadas. Fora a parte artística, fazíamos uma dupla que deu muito certo. Brigávamos muito, mas, no final, a programação se tornava um sucesso.

FAMÍLIAS UNIDAS

A minha maior satisfação não foi ser o melhor amigo do Silvio, como ele disse diversas vezes. Mas foi ver que nossas famílias se davam bem também.

A Anna [mulher de Callegari, já falecida] e a Iris sempre se deram muito bem, viajávamos muito juntos nas férias para a Flórida, e os meus filhos [Luciano Jr., Mauro, Rodrigo e Rogério] e as meninas [filhas de Silvio] sempre se deram muito bem também. A gente era uma família como na televisão.

Uma curiosidade, da qual a gente ri até hoje, é que o Silvio me deu de Natal uma viagem para qualquer lugar do mundo com a Anna e meus filhos. Depois de pensar muito, fomos parar na Flórida novamente, porque era onde nós nos sentíamos bem, e o que importava mesmo era estarmos todos juntos.

ACERTOS NO SBT

Só aconteceram porque nós conversávamos dez horas por dia, em média. Não tinha ego envolvido [entre] ele e eu. Discutíamos por horas os melhores talentos para a programação e o que deveria ser feito.

A nossa intimidade, e o fato de podermos falar tudo um para o outro, sem qualquer tipo de preocupação, ajudou no desenvolvimento da emissora. A paixão que tínhamos pela televisão se refletia na audiência.

PELO TELEFONE

A maioria das conversas era pelo telefone. Silvio não era um executivo, ele ficava em casa, no seu escritório. Ele fazia seu programa e ia para casa.

LIVRO DE MEMÓRIAS

Já pensei em escrever um livro, mas desisti. Impossível colocar certas coisas.

IDA DE ELIANA PARA A GLOBO

Acho que foi feito muito barulho com a saída da Eliana. A Globo tirou a Eliana do SBT devido ao faturamento que ela alcançava. Não acho que ela seja uma estrela de primeira grandeza. Já achei estranho quando o SBT permitiu que ela fizesse o Criança Esperança junto com a Xuxa e com a Angélica. Foi uma ingenuidade do SBT, deram um espaço para ela de estrela de Hollywood.

A Globo testou as águas naquele momento. E depois que a Eliana já não participou das celebrações de final de ano do SBT, a saída já era certa. Eu acredito que, em outra gestão, a Eliana estaria ainda no SBT.

SBT SEM SILVIO

Não precisou o Silvio morrer para sabermos qual será o caminho do SBT. Desde que o Silvio deixou de participar, e suas filhas e a Iris começaram a liderar os negócios, nós vimos que a falta de experiência e os egos são o que ditam hoje o caminho do SBT. Infelizmente, o SBT deixou de ser vice-líder numa rapidez alarmante, e o caminho contrário é muito mais difícil.

Acho que tem que haver um equilíbrio entre a marca colocada pelo Silvio e a modernização. Modernizar não quer dizer você destruir o DNA da empresa. É triste ver o caminho que o SBT está tomando.

GESTÃO E ‘DISNEY BRASILEIRA’

A Daniela [Beyruti] tem que descobrir alguma forma de melhorar o SBT. Faço votos para que ela consiga. Mas, até agora, ela não agradou. Transformar o SBT em 'Disney brasileira' é uma brincadeira, não pode ser levado a sério. A Daniela vai ter muitos problemas.

INFLUENCIADORES NA TV

Converso muito com o meu filho Rogério que, como eu, é muito ligado em televisão.
Quando a Daniela divulgou essas contratações [de influenciadores como Virginia e outros], falei com ele, que mora nos Estados Unidos faz quase 20 anos. Fizemos uma análise de influenciadores que as televisões americanas tentaram colocar na TV, tanto aberta quanto fechada, e não foram nem de perto o sucesso esperado. A maioria desses programas com influenciadores não durou uma temporada, como eles dizem lá fora.

O público da televisão aberta não é o mesmo público que eles têm em redes sociais. O DNA da televisão é outro. Você não pode esperar que o influenciador vire um apresentador, não é assim. Se a pessoa não tem talento, e como bem dizia o Boni, "lastro", não vai durar.

O programa com a Virginia é muito fácil de se destacar, mas não quer dizer que é um sucesso. Dar dois pontos [de audiência] e, eventualmente, cinco pontos não é um sucesso, principalmente naquele horário de sábado à noite.

A Globo tentou com a Jade Picon, que tem no Instagram 22 milhões de seguidores. Colocou ela na novela ["Travessia"] e não deu mais audiência do que a novela daria.

A migração das redes sociais para a televisão não é assim, os números são muito maiores na televisão. Não podemos também esquecer do fato de que muita gente que só acompanha a televisão não sabe quem são esses influenciadores. Nós vivemos num país onde a grande massa ainda não tem todo esse conhecimento.

NOVELAS

[Luciano Callegari foi o responsável pelo investimento feito pelo SBT em produções nacionais, como o remake de "Éramos Seis", que fez muito sucesso em 1994]

Eu já não aguentava as novelas mexicanas. Chamei o Nilton Travesso e sabia que só ele poderia mudar nosso caminho em novelas. E foi o que aconteceu. Ele veio com David Grimberg e Del Rangel e construímos a cidade cenográfica onde gravamos "Éramos Seis", "As pupilas do Senhor Reitor" e outras.

Eu acredito na continuidade das novelas. Com bons autores e boas histórias, vão continuar fazendo sucesso.

Luciano Callegari ao lado de Silvio Santos no casamento do apresentador com Iris Abravanel, em 1967 - Arquivo Pessoal

REALITIES SHOWS

Acho que tem que existir mais integração com novas tecnologias. O Big Brother já não trouxe o resultado de dois anos atrás, apesar de ser um sucesso comercial. Enquanto a TV não estiver com as tecnologias imersivas, que estão aperfeiçoando, e a integração com plataformas digitais, eu acredito que não será o sucesso que já foi um dia.

O FUTURO DA TV ABERTA

A TV aberta ainda mantém relevância e pode continuar a ser uma parte importante do panorama midiático no futuro. Mas isso dependerá de sua capacidade de adaptação às novas realidades do mercado e de sua habilidade em integrar tecnologias e estratégias digitais.

A TV aberta pode incluir uma combinação de tradição e inovação.

SAUDADES DA TV

A gente tem saudade de tudo o que foi bom, mas não tenho interesse em voltar para a TV. O que eu e o Silvio começamos do zero, levando o SBT ao segundo lugar em audiência, foi, sem dúvida nenhuma, a maior realização da minha vida profissional.

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