Alexandra Moraes - Ombudsman

Jornalista e quadrinista, é ombudsman da Folha. Já foi secretária-assistente de Redação, editora de Diversidade e editora-adjunta de Especiais e Ilustrada.

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Por que falar desse caso?

Reportagem sobre estudante gera discussão a respeito da cobertura de suicídio

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Dez dias atrás, a revista piauí colocou no ar uma reportagem sobre Pedro Henrique, 14, aluno bolsista de um colégio particular tradicional de São Paulo. Por que contar a história dele?

Ele era estudioso e interessado. Morava na periferia. Passou por uma seleção de seis etapas para conseguir a bolsa de estudos numa escola com mensalidade média de R$ 4.500. Isso talvez já o tornasse o que os meios de comunicação e hoje também as redes sociais gostam de apresentar como "exemplo de superação".

Também era um menino negro, periférico e gay que teria vivido e relatado episódios de bullying. E enviou um áudio para o grupo da escola antes de tirar a própria vida. Um parente denunciou nas redes sociais o que apontava como as circunstâncias de sua morte.

Uma carteira escolar e seu banco, cujos pés se misturam de forma estranha
Ilustração de Carvall para Ombudsman de 1º de setembro de 2024 - Carvall/Folhapress

O texto da piauí recontava esse drama. Antes de sua publicação, o blog Morte sem Tabu, da Folha, discorreu sobre cuidados que casos como esse deveriam inspirar.

Como o site da piauí fica hospedado no servidor da Folha, o jornal às vezes destaca o material da revista. E o fez em seu site e em sua conta de Instagram com a reportagem sobre Pedro, o que acabou estendendo a polêmica ao jornal. Outros colunistas comentaram o assunto, e a Folha entrou no caso lateralmente, para relatar um protesto em frente ao Colégio Bandeirantes, onde Pedro estudava, e ao publicar a resposta da escola à comoção (a instituição disse haver "muitas inverdades" e que "o tema não foi apurado com responsabilidade pelos veículos divulgadores").

Hoje, o jornal dá seguimento à repercussão com reportagem sobre bolsistas em escolas de elite.

A associação de jornalistas que cobrem a área de educação, Jeduca, criticou o texto da piauí em mensagem à ombudsman. Afirma que ele "faz claras suposições de quais seriam as motivações que o teriam levado ao suicídio, como o fato de ele ser negro, gay e ter sofrido bullying na escola".

Uma mãe de estudante da escola também escreveu para apontar problemas. "Por que podemos culpabilizar sem nenhum pudor meninos de 14 anos? (...) É sabido que os índices de suicídios em adolescentes têm aumentado, portanto reputar e declarar, sem investigação, que o fato deu-se como consequência direta de bullying e racismo é superficial e desumano. Sem contar os alunos da escola vítimas dos comentários mais maldosos."

O Jeduca diz que o texto não segue as práticas do manual sobre prevenção de suicídios feito pela Organização Mundial da Saúde para a mídia. Mas o manual também atesta que "o relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas".

É nesse sentido que a piauí defende a publicação do material. "Em se tratando de tema tão delicado, como o suicídio, a piauí fez a reportagem da maneira mais equilibrada possível, consciente dos riscos do efeito-contágio e respeitando determinações da OMS. Por isso, não publicou imagens do estudante, não falou do método usado no suicídio, não divulgou o áudio de despedida e informou —no início e no fim do texto— o serviço de atendimento em saúde mental", afirma André Petry, diretor de Redação da piauí, em nota à ombudsman.

"Como é próprio da piauí, a apuração foi ampla, incluindo entrevistas com familiares do estudante, professores, ex-professores, familiares de alunos do Colégio Bandeirantes (bolsistas ou não) e investigadores. A escola não quis falar, mas a matéria registrou iniciativas da instituição sobre o tema. Os leitores se sentiram bem informados e respeitados, a julgar pelos elogios à sobriedade do texto entre os seguidores da piauí nas redes sociais. É recompensador constatar que a matéria tem pautado conversas tão necessárias sobre inclusão social, preconceito e bullying nas escolas", conclui.

O caso de fato mexe com muitas questões educacionais e sociais. A morte de Pedro é uma tragédia sob qualquer ponto de vista, mas o fato de ser um jovem gay, negro e bolsista de uma instituição de elite no Brasil, um país profundamente marcado pela desigualdade, acrescenta sim complexidade à história.


Há também discussões sobre saúde mental e preocupações com danos causados ou piorados pelo uso das redes sociais. Recentemente, a Fiocruz mostrou a alta de suicídios entre jovens de 10 a 25 anos. Já um levantamento da Folha constatou que, pela primeira vez, os registros de ansiedade de crianças e adolescentes superaram os dos adultos no Brasil.

Livros como o atual best-seller "A Geração Ansiosa" tentam esmiuçar o fenômeno e propor mudanças para proteger os jovens. E ouvir esses jovens parece ser um consenso.

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