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Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

Assassinato de Moïse é sintoma de catástrofe cívica em curso

Não há inocentes: de um jeito ou de outro, vai-se colher o que foi plantado.

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O assassinato do jovem congolês a pauladas na beira de uma praia do Rio não é acontecimento singular, mas sintoma de uma catástrofe cívica em curso.

Abolidas as regras, liberadas as armas, semeou-se a violência como clima moral. O desvario miliciano é o mesmo em palácios ou quiosques: lincham-se instituições ou pessoas. Mas as narrativas de catástrofe encenam sempre biblicamente a questão do depois: "Isso mesmo que o homem semear, também ceifará", eis uma preocupação paulina (Gálatas 6.7-8). A semeadura pode ser livre, mas a colheita é obrigatória.
Daí a pergunta, entre nós, sobre o que sobrevirá ao estrago. Trata-se de responder ao espanto: que gente é mesmo essa, que se conta aos milhões?

Primeiro semeou-se a ilusão de que, deixando falar as massas, ao arrepio de mediações institucionais, irromperia uma verdade direta do corpo social. O problema é que a "massa" não produz representações espontâneas de si mesma.

A internet com seus penduricalhos ajustou-se como uma luva à suplementação da carência. Longe da velha política, emergiria algo capaz de estancar a corrupção e amenizar costumes. Turbinadas, as redes sociais estimulam a sensorialidade do corpo coletivo: inflamadas, as emoções passam a dominar o jogo da democracia. Como também acontece no corpo individual, não se percebe que as condutas são regidas por forças que escapam totalmente às vontades.

É assim que uma espécie de udenismo renasce das cinzas não como fênix, senão como urubu à espreita de cadáveres insepultos: resíduos ideológicos, retrocessos constitucionais, seitas fundadas na isenção fiscal, facilitação do ódio. Aos poucos se vê que as sementes do estrago foram espalhadas por agentes coletivos e individuais.

Os primeiros são as forças vegetativas do status quo, que não hesitam em pactuar com o atraso. Os segundos são pessoas movidas pelo gozo do ressentimento e do combate a falsos bodes expiatórios que chegam pelas telinhas dos celulares.

Nas condutas individuais ou nas interativas, sensações e emoções podem não ser formalizadas, pois derivam de automatismos da história pessoal e, cada vez mais, de um mimetismo social aprofundado pela catástrofe das redes, a "esgotoesfera". Lincha-se por automatismo. Ninguém é, portanto, totalmente "livre" na semeadura ressentida de um "pior" para o amor ao corpo coletivo. E o ressentimento é fatal: a dor do mal que cada um possa sofrer por sua própria ação é menor do que o prazer de infligir mal ao outro.

Por isso, não há inocentes: de um jeito ou de outro, vai-se colher o que foi plantado.

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