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Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

As guerras santas da macroeconomia

Polemistas disfarçados de analistas quase sempre assumem grau de certeza sem base na realidade

Fachada do Banco Central, em Brasília - Fátima Meira - 7.jul.17/Futura Press/Folhapress

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O debate sobre política econômica é frequentemente dominado por extremos, sobretudo na era de redes sociais.

Polemistas disfarçados de analistas quase sempre assumem um grau de certeza e virulência que simplesmente não tem base na realidade. Essa radicalização é geralmente mais forte na macroeconomia —política monetária, fiscal e cambial—, em que argumentos tendem a adquirir um tom quase religioso.

Para não economistas, é difícil entender tamanha belicosidade, pois economia deveria ser uma área técnica de estudos, na qual seria possível testar hipóteses ao longo do tempo.

Na prática é exatamente isso que acontece no dia a dia da pesquisa aplicada, mas a retórica do debate público, no Brasil e no mundo, continua dominada por duas grandes escolas ou “igrejas” de pensamento acadêmico.

Do lado ortodoxo, os membros da “Igreja da Microeconomia dos Últimos Dias” tendem a defender a austeridade como solução para todos os problemas, independentemente das condições do país.

Se o nível de atividade está alto, deve-se adotar políticas restritivas para controlar a inflação, preferencialmente um corte de gastos públicos para evitar um aumento excessivo da taxa de juro. Se o nível de atividade está baixo, deve-se adotar também uma política fiscal restritiva, pois a redução do tamanho do Estado aumenta a confiança do setor privado e permite ao Banco Central reduzir ainda mais o juro.

Não importa a condição do paciente, o remédio é sempre o mesmo: austeridade fiscal ontem, hoje e para sempre.

Do lado heterodoxo, os devotos da “Igreja da Ressureição Macroeconômica em Keynes” (da qual Keynes nunca foi membro) tendem a defender expansão fiscal como solução para todo e qualquer problema, sem atentar, também, para as condições iniciais da economia.

Se o nível de atividade está baixo, o governo deve adotar uma política expansionista para aumentar o emprego e a renda, pois isso não cria risco para o controle da inflação. Se o nível de atividade está alto, o governo deve adotar ou manter uma política expansionista, pois só assim haverá mais investimentos e aumento da produtividade, que, por sua vez, reduzem a inflação no longo prazo.

Novamente temos o mesmo remédio independentemente da condição do paciente: expansão fiscal ontem, hoje e para sempre.

Cada igreja baseia sua fé em alguns milagres comprovados, pois a história econômica registra episódios de “contração fiscal expansionista”, como defendem ortodoxos, e de “expansão fiscal não inflacionária”, como argumentam heterodoxos. Apesar de possíveis, esses casos não são frequentes.

Na prática predomina o meio-termo e, por isso, a política econômica é sempre mais pragmática do que o debate entre economistas.

A história econômica pós-Segunda Guerra demonstra que o governo deve adotar medidas de redução da atividade econômica quando a economia está superaquecida e vice-versa. Em outras palavras, a política econômica deve ser anticíclica, com uma combinação de ações fiscais e monetárias que estabilizem inflação e emprego.

Apesar da retórica oficial de ajuste, o governo brasileiro fez exatamente isso em 2016-17, com elevação do déficit primário, injeção de recursos parafiscais na economia e redução, ainda que tardia, da Selic. Tudo isso sem comprometer o controle da inflação, pois estávamos e ainda estamos operando muito abaixo do nosso potencial produtivo.

Como disse o próprio Keynes: a expansão, não a recessão, é o momento certo para austeridade. Mas não conte isso às duas igrejas, pois você será excomungado.

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