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Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Renda básica versus Bolsa Família

Desafio é combinar os dois com a manutenção de serviços públicos universais

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Volto à renda básica universal para avaliar sua eficiência em relação ao Bolsa Família. Recapitulando, renda básica é uma transferência incondicional: se você existe, tem direito. Bolsa Família é uma transferência condicional: se você tem renda abaixo de determinado valor, tem direito.

A maioria dos governos prefere programas tipo Bolsa Família porque custam menos e são focalizados nos mais pobres. Façamos uma breve comparação.

Na renda básica, todos recebem transferência, ricos e pobres. No Bolsa Família, somente os pobres recebem, ponto para o Bolsa Família.

Na renda básica, o gasto fiscal é elevado, pois todos recebem. No Bolsa Família, o custo é menor e possivelmente cadente, se a pobreza diminuir no tempo. Bolsa Família 2 a 0.

No Bolsa Família, somente os pobres recebem; na renda básica, todos - Gabriel Cabral - 20.mar.2020/Folhapress

O Bolsa Família requer verificação periódica, para checar se o beneficiário continua precisando de transferência. A renda básica exige pouca fiscalização, pois é universal. Bolsa Família 2 a 1.

No Bolsa Família, a pessoa tem desincentivo a buscar fonte alternativa de renda, pois isso diminuirá a transferência recebida do governo. A renda básica não desestimula o beneficiário a procurar renda extra, pois, como é universal, a transferência não será cancelada caso a pessoa obtenha emprego. Jogo empatado!

Ainda no último ponto, mesmo se a renda privada for mais alta que no Bolsa Família, o risco de perdê-la gera desincentivo para o beneficiário sair do programa porque a reentrada no Bolsa não é automática.

Diante do empate em nossa comparação, qual é o critério mais importante? Custo fiscal ou custo de fiscalização? Focalização nos mais pobres ou desincentivo ao trabalho? Não há resposta objetiva em teoria econômica.

Na prática, a limitação de recursos fala mais alto, e a maioria dos governos prefere programas focalizados de transferência de renda.

Seria possível combinar as duas coisas? Talvez sim, e a alternativa que apresentei na coluna anterior vai em tal direção, combinando transferência universal com ajuste na declaração de Imposto de Renda, de modo a transferir primeiro e cobrar depois, focalizando o benefício em quem realmente precisa, além de integrar a base da Receita Federal no sistema de seguridade social.

Reconheço que combinar transferência de renda com Imposto de Renda não acontece em um passe mágica. É preciso cadastrar todos os beneficiários na Receita, bem como reforçar e ampliar a fiscalização do IR pessoa física. A vantagem é que o segundo passo já precisa ser feito de qualquer modo, para adotar tributação mais progressiva e reduzir desigualdades, o que não é a mesma coisa que combater pobreza.

Mas há um ponto adicional que hoje decide o jogo a favor do Bolsa Família: a maioria dos economistas neoliberais defende renda básica como substituto para outras políticas públicas universais (exemplo: acabar com o piso do SUS e da educação pública).

Pela ótica de Milton Friedman et caterva, a renda básica universal funcionaria como um “supervoucher”, permitindo ao governo gastar menos com vários serviços públicos, que passariam a ser ofertados somente pelo mercado.

Assim, se a renda básica for um “Cavalo de Troia” para destruir o Estado de bem-estar social na oferta de serviços públicos essenciais, o placar ficará novamente favorável ao Bolsa Família. É por isso que várias pessoas de esquerda desconfiam de alguns recém-convertidos à transferência de renda incondicional.

Nosso desafio é, portanto, combinar renda básica com Bolsa Família e manutenção de serviços públicos universais.

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