Siga a folha

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Descrição de chapéu Rússia

Para quem eu ligo quando quero falar com a Europa?

É preciso trazer a Ucrânia e a própria Rússia pacificamente para dentro da Europa

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

A Ucrânia é assunto inevitável, e há de tudo no debate entre "especialista de rede antissocial": imperialismo norte-americano versus saudosismo soviético, neonazismo contra neoestalinismo e sonhos de integração europeia.

Torço pela integração europeia e arrisco minha visão de economista: colocar aliança militar à frente de integração econômica gerou o pretexto para Putin invadir a Ucrânia.

Explicando melhor, relações econômicas e culturais tendem a aproximar cada vez mais o Leste Europeu e a própria Rússia da UE (União Europeia). O problema é que o fiscalismo da UE, a intervenção dos EUA no Leste Europeu e o autoritarismo de Putin atrasam o processo.

Vladimir Putin, presidente da Rússia - Russian Pool via Reuters

A crise atual vem de 2013-14, quando o Ocidente cobrou forte arrocho fiscal para que a Ucrânia aderisse à UE e recebesse ajuda do FMI e, em paralelo, os EUA apoiaram abertamente um golpe de extrema direita contra o governo ucraniano pró-Rússia. Sobre esse assunto, recomendo o documentário "Ukraine on Fire", de Oliver Stone.

Nos anos seguintes, a Europa continuou presa em labirintos fiscais, e os EUA voltaram a incentivar a adesão da Ucrânia à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Agora, o nacionalismo russo respondeu com tiro e bomba.

Putin está errado e já perdeu a guerra na política e na economia. A Ucrânia e a Rússia irão se integrar com a Europa ao longo deste século. A invasão militar de agora é ato desesperado para atrasar o processo, gerando morte e destruição na Ucrânia e caos econômico na Rússia.

Do outro lado, se o movimento pró-Otan dos EUA tivesse sido substituído por uma integração rápida da Ucrânia à UE, sem arrocho fiscal destruidor do bem-estar da população ucraniana, seria mais difícil para Putin invadir seu vizinho.

A solução pró-UE ainda é possível, mas, para isso, os governos europeus têm que contrariar seus fiscalistas de planilha (como Helmut Kohl fez ao "pagar o que fosse" para absorver a Alemanha Oriental em 1989), bem como barrar os neoconservadores dos EUA na Otan (os mesmos que fabricaram a invasão do Iraque em 2003).

A hesitação europeia lembra aquela frase de Henry Kissinger (ex-secretário de Estado dos EUA): "Para quem eu ligo quando quero falar com a Europa?". O Reino Unido continua subserviente a Washington, a França tenta protagonismo, mas não consegue fazer nada sem a Alemanha, que está no começo de um novo governo.

Voltando no tempo, assim como a União Soviética, a Otan também é uma relíquia do século 20, criada para "manter os soviéticos fora, os norte-americanos dentro e os alemães para baixo" (frase de Lord Ismay, primeiro secretário da Otan, bem lembrada por Dilma Rousseff na semana passada).

O "problema" de hoje é que a Europa não é (ainda bem) a mesma dos anos 1950. O Ocidente venceu a Guerra Fria, e é preciso trazer a Ucrânia e a própria Rússia pacificamente para dentro da Europa, por meios democráticos, o que leva tempo.

E, mais do que a Otan, foi o Plano Marshall que permitiu a construção da Europa Ocidental democrática e desenvolvida que vemos hoje. O mesmo princípio de ajuda econômica pode ser aplicado à integração das antigas repúblicas soviéticas ao mundo ocidental, mas, lembrando o alerta de Eisenhower, o complexo industrial-militar dos EUA vive de conflito.

Enquanto o bom senso não prevalece, o quase centenário Kissinger sugeriu uma saída: os EUA desistem da Ucrânia na Otan, a Rússia aceita a Ucrânia na União Europeia e o povo da Ucrânia escolhe, pelo voto, o seu destino. Mas cada dia de conflito torna a solução diplomática mais difícil.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas