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Paulo Vieira, do Jornalistas que Correm, fala tudo sobre corrida –mesmo aquilo que você não deveria saber

Falta à corrida a beleza do coletivo

Banhar-se na endorfina é o que há, mas epifania só vivi mesmo ao remar com mais sete pessoas

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O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada, escreveu René Descartes, na frase provavelmente mais cândida da filosofia ocidental.

Não é preciso ser dotado de grande poder abstracional para elencar rapidamente dez ou quinze exemplos que contrariam a asserção.

Talvez Descartes estivesse eufórico com o bypass que deu no gênio enganador, porque é duro entender tal otimismo.

A atividade física está prenhe de exemplos em que o bom senso não é nada bem partilhado.

Que dizer do abuso de suplementos proteicos ou de anabolizantes para hipertrofiar os músculos? Ou, para ficar no tema, da vigorexia, quando marombeiros se enxergam com os braços de um maratonista queniano?

O universo da corrida tem lá suas mazelas também, mas reverter ou amainar a competitividade e o narcisismo, mesmo que em níveis patológicos, está longe de ser uma impossibilidade.

O que talvez falte à corrida, atividade acessível e sedutora, verdadeiro antídoto ao sedentarismo –e que por isso tem em mim perpétuo defensor e evangelista–, é uma dimensão coletiva.

Por mais que muitos de nós nos juntemos em grupos para correr e vivamos aí uma espécie de endorfina compartilhada, as coisas que um corredor faz no cascalho, e as consequências de suas escolhas, só dizem respeito a ele mesmo. (Desconsidere, por óbvio, as provas de revezamento.)

Agora imagine-se tendo de remar um daqueles barcos de oito lugares. Caso os remadores não façam seus movimentos no mesmíssimo ritmo, o barco pode até mudar de direção.

Remadores do "oito com" durante treino; o "com" se refere ao "timoneiro" - Reprodução

Basta um sujeito ali desafinar para desequilibrar o trabalho coletivo. Por outro lado, quando a coisa flui, a sensação é superlativa.

Escrevo com algum lugar de fala: vivi essa rara e deliciosa experiência na USP, aqui em São Paulo, no Cambriano.

Lembrei dessa experiência não quando visitei a raia dias atrás, mas ao assistir a um concerto da Orquestra Jovem Tom Jobim.

Considero uma experiência mística, dentro dos meus contidos padrões de misticismo, estar numa sala de concerto e presenciar o silêncio ser quebrado pela propagação de um som tocado simultaneamente por meia centena de instrumentos desconectados de qualquer meio elétrico ou eletrônico de amplificação.

A Jovem Tom Jobim levou há uma semana um repertório 100% de seu patrono, músicas que Antonio Brasileiro compôs originalmente para o cinema.

Como "Chovendo na Roseira" e "Olha Maria", ambas escritas para o filme estadunidense de má ou nenhuma memória "O Mundo dos Aventureiros" ("The Adventurers", de 1970) e "Passarim" (da minissérie ericoverissimoniana "O Tempo e o Vento").

Com os arranjos delicados e dedicados dos regentes Nelson Ayres, Tiago Costa e Debora Gurgel, todos presentes, os dois primeiros responsáveis também pela condução pedagógica da orquestra, não me surpreendi ao ver-me lá pelas tantas comovido como o diabo.

(É verdade que o solo de minha sobrinha Dora Sansígolo à viola justamente em "A Violeira" ajudou no processo, e já fica aqui o necessário disclosure.)

Embora o precioso trabalho em conjunto se desse no palco, foi a cadeira 13 da fila J do velho Theatro São Pedro que virou a proa simbólica do barco do 8 com; e a manhã de domingo, uma noite tépida de terça-feira com aquele silêncio e paz inexplicáveis tão próprios daquela lateral da Marginal Pinheiros.

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