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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

Descrição de chapéu Opinião de empresário

Marketing do vinho prega felicidade na colheita, diz exportador

Empresário do setor diz que bem-estar do trabalhador impacta qualidade da bebida

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São Paulo

A revelação do caso de um grande resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão na colheita de uva em Bento Gonçalves (RS) levou preocupação a exportadores de vinho brasileiros, que veem risco de manchar a imagem da bebida no exterior, segundo o empresário Jonas Nascimento, sócio e sommelier da exportadora 067, que vende garrafas de produtores de menor porte no Brasil para o Oriente Médio.

Nascimento afirma que o marketing da indústria do vinho costuma apresentar a imagem de trabalhadores felizes, cantando durante a colheita, e que isso agrega valor ao produto. Portanto, uma uva colhida em condições de exploração, segundo ele, carrega tais características, prejudicando a qualidade do vinho.

Jonas Nascimento, sócio da 067 Vinhos - Arquivo Pessoal

"A colheita manual é valorizada. Tem uma parte romântica da energia das pessoas. Os trabalhadores cantam no vinhedo, estão felizes. Isso é o que se prega no marketing do vinho. E quando a gente vê uma notícia dessas, de que há choque elétrico, o trabalhador que toca as uvas transmite essa energia, que é a tristeza", diz Nascimento.

Para o empresário, o caso deve expandir a cobrança por sustentabilidade na produção e a consciência do consumidor sobre a qualidade do produto.

Para os exportadores, esse caso do trabalho escravo na colheita de uva no Sul gera uma preocupação com a imagem do vinho brasileiro lá fora? Com certeza. Eu aprendi, desde sempre, que o vinho é história. Me embrulha o estômago pensar em abrir um vinho feito assim. As uvas têm a energia da escravidão.

Nos grandes vinhos da França, o proprietário escolhe as fases da lua para fazer a colheita e a poda. Enterram chifres no solo para adubar, tem a questão da energia para corrigir o cálcio do solo.

Isso não é o vinho da serra gaúcha como um todo. Mas são os que foram descobertos. E aqueles que não foram? Se a gente pensar que vai servir um vinho com essa energia da exploração, eu como profissional que tenho tudo na vida pelo vinho, me recuso. Vinho é história. É delicado.

Eu prego pelo vinho brasileiro, levanto a bandeira do vinho nacional. A gente defende. No entanto, eu vejo as pessoas postarem [nas redes sociais]: "por isso eu não bebo vinho brasileiro" ou "onde o brasileiro põe a mão tem alguma coisa errada".

Como veio essa preocupação? Para a gente que trabalha defendendo, ver uma notícia como essa é muito chocante e triste, porque é todo um trabalho que vai por água abaixo. Estamos muito tristes com isso. Agora, compete ao Ministério Público buscar apurar os fatos, se as vinícolas tinham ciência dessa questão ou não.

Vocês têm negócios com as vinícolas Garibaldi, Aurora e Salton, que terceirizaram serviço das empresas envolvidas? Não. Eu já vendi um lote pequeno, mas já faz algum tempo e fiz visitas. É inacreditável. Fomos pegos de surpresa. A gente busca pequenos produtores para contar histórias das uvas e da produção. A história é um valor agregado do vinho.

O consumidor tem essa consciência? Ele está preocupado com isso? Muitas vinícolas colocam no contra rótulo quando têm colheita manual das uvas. Isso tem um por quê. A mão do homem é muito mais delicada do que a máquina. Com isso, a uva não se machuca. A uva não precisa de mais nada para fermentar. A própria levedura está presente na casca. Quando você tira uma uva do cacho, aquele buraquinho já é suficiente para entrar as leveduras e iniciar o processo de fermentação alcoólica. Por isso a colheita manual é mais valorizada.

Tem uma parte romântica da energia das pessoas que estão ali. A vindima [como é chamada a colheita das uvas] que a gente vê nas revistas e nos filmes mostra que os trabalhadores estão felizes. Os trabalhadores cantam no vinhedo. Isso é o que se prega no marketing do vinho.

Quando a gente vê uma notícia dessas, de que há choque elétrico, desrespeito, obviamente, o trabalhador que toca as uvas transmite essa energia, que é a tristeza. A gente não vende vinho sem conteúdo. O consumidor quer isso.

Vocês vão falar com produtores para entender se isso foi um caso isolado ou se é uma prática comum? Esse tema vai entrar nas nossas reuniões comerciais. Precisamos vender a verdade e tratar o vinho como um meio de expansão da consciência humana devido a todo esse processo. Para que a gente não entre em contrassenso com a nossa proposta e os nossos valores, vamos apurar com cada produtor.

Como o mercado vai se proteger disso? Como vão olhar para a cadeia que fornece? Vamos ter que buscar selos de segurança. Podemos ter novas ideias. Podemos pensar em colocar um selo no vinho brasileiro, com mãos verdes indicando que a vinícola respeita o trabalhador que fez a colheita humana. Isso é um trabalho que dá para ser feito, para mostrar lá para fora do país.

Acredito que existem formas para reverter esse quadro. Nós, como exportadores, que representamos as marcas, vamos cobrar, porque isso pode queimar a nossa marca. A visibilidade dessa situação deve fazer com que aqueles que fazem isso por baixo dos panos repensem. E o consumidor também vai querer saber.

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