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Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

O SUS na encruzilhada: gastar melhor para melhorar a qualidade

Garantia de serviços que atendam à população e equilíbrio das contas públicas devem andar de mãos dadas

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As comemorações do Dia Mundial da Saúde em 7 de abril motivam uma reflexão sobre as conquistas e desafios de um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo: o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Este debate é importante tanto para melhorar a atenção à saúde, garantindo serviços que satisfaçam às necessidades e expectativas da população, como para o equilíbrio das contas públicas, dado que a saúde tem um dos maiores orçamentos do governo brasileiro. Mantido o padrão atual de crescimento nominal dos gastos, a conta do SUS alcançará mais de R$ 700 bilhões em 2030.

É indiscutível que a criação do SUS melhorou a vida dos brasileiros, notadamente os mais pobres. Nesses 30 anos, a expansão da oferta e do acesso aos cuidados de saúde foram acompanhados de melhorias significativas nos indicadores de saúde da população brasileira. O SUS tem também um papel importante na redistribuição dos recursos sociais. Recente análise do Banco Mundial mostra que os gastos com saúde beneficiam os grupos de mais baixa renda – os 40% mais pobres recebem mais de 50% dos gastos públicos com saúde. No entanto, são muitos os desafios para consolidar essas conquistas e responder às crescentes necessidades da população.

Um dos principais problemas é que a população avalia mal os serviços do SUS. A pesquisa IBOPE-CNI de Avaliação do Governo, de setembro de 2018, aponta que 89% da população avalia o sistema público de saúde como ruim ou péssimo. O SUS é frequentemente visto como superlotado, de baixa qualidade e com escassez de profissionais.

A explicação frequente para o problema da qualidade é que o governo não gasta o suficiente com saúde, mas as evidências apontam para uma realidade mais complexa. De fato, o gasto público em saúde no Brasil (43,3% do total dos gastos com saúde) é inferior à média do gasto público entre os países da OCDE (73,4% do total), entre os países de renda média comparáveis ao Brasil (59% do total), e também inferior à média dos países dos BRICS (45%).

Entretanto, comparações internacionais mostram que muitos desses países obtêm melhores resultados dos gastos com saúde do que o Brasil. O relatório Um Ajuste Justo, do Banco Mundial, aponta que as ineficiências do sistema público de saúde custam pelo menos R$ 22 bilhões por ano aos cofres públicos. Mais eficiência poderia resultar não só em ganhos financeiros (nominais) acumulados de aproximadamente R$ 989 bilhões até 2030, mas também no aumento do acesso e da qualidade dos serviços prestados. Por exemplo, melhor eficiência poderia aumentar o número de consultas médicas por habitantes na atenção primária em mais de quatro vezes (do atual 1,72 para mais de 8,36 consultas por habitante, por ano), aumentar em quase 80% o número de internações hospitalares, e em 40% a cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Essas melhorias ajudariam a reduzir um dos grandes gargalos do sistema atual, que é o acesso e cobertura a serviços essenciais. Tudo isso sem a necessidade de mais recursos financeiros.

A eficiência significa também mais efetividade, ou seja, que mais vidas poderiam ser salvas. Uma atenção primária mais eficiente poderia reduzir em 15% o número de mortes evitáveis entre a população de 5 a 75 anos de idade e em 8% entre a população de zero a cinco anos de idade. Por exemplo, se todas as cirurgias de revascularização do miocárdio do SUS fossem realizadas em hospitais de alto volume, que em geral são mais eficientes, cerca de mil óbitos teriam sido evitados entre 2014 e 2016.

Muitos são os fatores que causam o atual cenário de ineficiências. Entre eles estão a gestão deficiente e a má alocação dos recursos existentes. No entanto, as principais causas são resultado de problemas na organização e no financiamento da atenção à saúde e na forma como o SUS está estruturado. Para superar esses desafios, serão necessárias reformas estratégicas que resolvam os problemas atuais (como a baixa qualidade dos serviços e ineficiências) e que preparem o sistema para desafios emergentes (como o envelhecimento da população e a crescente carga das doenças crônicas).

Recente relatório do Banco Mundial aponta para algumas reformas, entre as quais destacamos três. A primeira é a reorganização dos serviços e do financiamento do SUS em torno de redes in­tegradas de atenção à saúde. Essas redes seriam formadas por prestadores autônomos de serviços de saúde (públicos e privados), financiadas pelos três níveis de governo e pagos por capitação (per capita) com incentivos associados a melhores resultados (em vez de volume de serviços). A segunda é racionalizar a oferta e a gestão dos serviços hospitalares e ambulatoriais para maximizar escala, qualidade e eficiência. Há espaço para reduzir o número de hospitais e ambulatórios, para maximizar economias de escala e implantar sistemas funcionais de referência e contra-referência - pelo menos 24% dos hospitais brasileiros (de até 25 leitos) poderiam ser convertidos em unidades de saúde da família ou mesmo fechados. A terceira é expandir e fortalecer a cobertura da atenção primária à saúde de forma que as equipes de saúde da família possam racionalizar o acesso e a demanda aos serviços, sendo o primeiro ponto de contato do paciente com o sistema de saúde. Para isso, serão necessários mecanismos efetivos de coordenação dos cuidados, como o prontuário eletrônico dos pacientes.

Uma agenda de eficiência do SUS é essencial para consolidar e expandir os avanços dos últimos 30 anos. A experiência internacional mostra que é possível fazer isso sem necessariamente aumentar os gastos. Mas será preciso implementar reformas contínuas que adaptem os incentivos de acordo com a evolução do setor e com as expectativas da população.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Edson Araújo, economista sênior do departamento de saúde do Banco Mundial.

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