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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Gaúchos acham caminho para bloquear crescimento de tumor cerebral em crianças

Técnica foi testada em camundongos e desacelerou o crescimento dos tumores

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Muita gente costuma reclamar que o vocabulário empregado pelos cientistas é um negócio impenetrável, mas basta saber um pouquinho de grego para se dar conta de que, muitas vezes, o tal jargão até que é bem descritivo e direto.

Tomemos como exemplo as neurotrofinas, moléculas cujo nome, além de sonoro, têm significado límpido desde que você saiba que, na língua de Platão, “nêuron” é “nervo” e “trophé” é “sustento, alimento”. As neurotrofinas, portanto, ajudam a sustentar as células do sistema nervoso, permitindo que elas sobrevivam e se multipliquem.

Lindo, não há dúvida, mas nem todo crescimento do sistema nervoso é necessariamente benéfico. Como acontece com qualquer outro tecido ou órgão, o desenvolvimento do cérebro é um delicado jogo de perde e ganha.

Células com aspecto mais genérico precisam dar lugar a neurônios especializados; outras precisam ser limadas – por meio do processo conhecido como apoptose, ou morte celular programada – para que as diferentes áreas cerebrais amadureçam; conexões entre neurônios são fortalecidas ou desbastadas aqui e ali.

A descoberta pode, no futuro, tornar-se um tratamento experimental para humanos - WikiMedia Commons

Em suma, o processo é complicado, e neurotrofinas hiperativas podem acabar causando mais mal do que bem. Com efeito, problemas no funcionamento dessas moléculas, os quais às vezes começam ainda no cérebro em formação dos fetos, parecem ser um fator importante para o surgimento do meduloblastoma, a forma mais comum de câncer cerebral a afetar crianças e adolescentes, presente em cerca de 20% desses casos.

Pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e do Instituto do Câncer Infantil de Porto Alegre, junto com colegas do Canadá, estão ajudando a entender as origens desse tipo de tumor e a encontrar novos caminhos para combatê-lo. Seu trabalho tem se concentrado no papel de uma das neurotrofinas, o chamado BDNF (sigla inglesa de “fator neurotrófico derivado do cérebro), na formação dos cânceres cerebrais.

A lógica da relação entre o BDNF e os tumores é relativamente simples de entender. O câncer costuma surgir porque alterações genéticas em certas células fazem com que elas não sigam o processo normal de especialização de funções e perda da capacidade de se multiplicar.

Em vez disso, elas acabam proliferando de forma descontrolada nos locais e momentos errados, dando origem a tumores – no caso do meduloblastoma, tais tumores aparecem no cerebelo, região cerebral importante para o controle dos movimentos.

Se pensarmos no BDNF como uma chave que, quando girada, desencadeia esse processo de multiplicação celular, é preciso que haja uma fechadura na qual ela se encaixa. E é justamente o que ocorre.

Tais fechaduras bioquímicas são os chamados receptores, sem as quais essa neurotrofina não teria efeito. Em seu mais recente estudo, publicado na revista científica Frontiers in Pharmacology, a equipe gaúcha, que inclui os pesquisadores Amanda Thomaz e Rafael Roesler, usou uma molécula capaz de inibir de modo específico o receptor da BDNF.

Essa estratégia simples, testada em camundongos que tinham recebido enxertos de células de meduloblastoma, foi suficiente para desacelerar o crescimento dos tumores e fazer com que as células cancerosas se multiplicassem menos e passassem pela morte celular programada.

O caminho até que o conceito possa, com sorte, transformar-se num tratamento experimental para humanos é longo e acidentado. Mas não deixa de ser um alento saber que é possível combater de forma tão específica as origens de um tumor, graças ao conhecimento detalhado de como as células funcionam.

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