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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Dezenas de espécies invasoras de peixes colocam em risco fauna aquática da Amazônia

Cerca de 75% das invasões ocorreram nos últimos 20 anos; tilápias-do-nilo estão entre as espécies

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O dileto leitor provavelmente não suporta mais ouvir notícia ruim, e talvez tenha até comemorado a (tardia) defenestração daquele cosplay mal-ajambrado de ministro do Meio Ambiente chamado Ricardo Salles. Alegria de pobre dura pouco, porém, e Salles é só uma marolinha em meio ao tsunami de chorume ambiental que assola este canto do globo. Neste exato momento, por exemplo, ao menos 41 espécies invasoras de peixes estão usando todos os recursos que a evolução lhes concedeu para tomar conta dos rios da Amazônia.

Detalhes sobre a situação, uma “ameaça silenciosa”, como a qualificam os cientistas, acabam de ser publicados no periódico especializado Frontiers in Ecology and Evolution. Uma equipe capitaneada por Carolina Rodrigues da Costa Doria, da Universidade Federal de Rondônia, que inclui colegas de outros países amazônicos, dos EUA e da Europa, vasculhou as mais diversas bases de dados para mapear o estado atual do problema na região.

Entre as más notícias, além do número de espécies invasoras em si e do fato de que o Brasil é o segundo país mais afetado (estamos atrás apenas da Colômbia), está a velocidade aparentemente crescente do processo. Dos 1.314 registros de peixes “alienígenas”, 75% vêm dos últimos 20 anos.

Tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticu) - Wikimedia Commons

É normal que as pessoas se perguntem qual seria o problema de introduzir algumas tilápias-do-nilo (Oreochromis niloticus, uma das espécies invasoras mais encontradas na Amazônia) em um ou outro pesque-pague de Manaus. Em suma, o que acontece é que esse tipo de transplante biogeográfico frequentemente desencadeia um efeito-dominó, no qual as espécies nativas acabam levando a pior de diferentes maneiras.

A espécie recém-chegada sai na frente das aborígines, para começo de conversa, por não ter inimigos naturais em sua nova casa —e, caso seja predadora, suas novas presas não saberão como se defender dela. Também pode carregar, em seu organismo, micro-organismos e parasitas com os quais os habitantes originais do lugar invadido nunca tinham precisado lidar antes.

A combinação desses fatores frequentemente é desastrosa e, no caso dos peixes fluviais, já há indícios de que ela está levando a uma simplificação e homogeneização das ictiofaunas (ou seja, o conjunto de espécies do grupo) em rios mundo afora.

Essas consequências ainda não estão acontecendo na Amazônia, mas isso não é motivo para achar que está tudo tranquilo e favorável. A maioria das espécies da lista de invasores é onívora ou carnívora (19 e 6, respectivamente), o que facilita sua adaptação e aumenta a ameaça de ataques aos peixes nativos. Doze delas têm múltiplos ciclos anuais de reprodução ou geram filhotes o ano todo, e nove possuem alta fecundidade. Por fim, nove são capazes de comportamento migratório (o que facilitaria a dispersão delas pelos habitats amazônicos). Conseguiu-se até a façanha de transformar o pirarucu (Arapaima gigas) em espécie invasora —ele foi levado para o alto rio Madeira, onde não ocorre naturalmente.

Uma possibilidade, dizem os pesquisadores, é que a tremenda diversidade natural de peixes da Amazônia (que tem cerca de 2.500 espécies descritas) funcione como uma espécie de “airbag ecológico”, impedindo os piores efeitos das invasões. De fato, ambientes com alta biodiversidade costumam ser relativamente resilientes. Mas isso está longe de ser motivo para complacência. Projetos de aquicultura precisam achar maneiras de aproveitar inteligentemente essa riqueza nativa –e aposentar as tilápias. ​

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