Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, pede demissão

Salles é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por operação da Polícia Federal que mira suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras

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Brasília

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão nesta quarta-feira (23) ao presidente Jair Bolsonaro.

Sua gestão foi marcada por ações contrárias ao objetivo da pasta, que é a preservação ambiental. Em dois anos e meio no cargo, enfraqueceu ou destruiu mecanismos de proteção das florestas, minimizou o impacto das queimadas, combateu quem fiscalizava infratores e reduziu a participação da sociedade civil na elaboração e implementação de políticas para o setor.

Salles é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por operação da Polícia Federal que mira suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras por meio da modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior.

A demissão de Salles foi anunciada no mesmo dia em que as investigações de compras suspeitas da vacina Covaxin chegaram ao nome de Bolsonaro na CPI da Covid. O caso elevou a temperatura política no Planalto nesta quarta (23).

Joaquim Pereira Leite, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, foi nomeado como novo ministro. As mudanças foram publicadas no Diário Oficial da União na tarde desta quarta.

Leite é próximo a Salles, e no governo Bolsonaro também ocupou a diretoria do Departamento Florestal da pasta. O currículo do novo ministro inclui ainda passagem por empresas de consultoria e do ramo farmoquímico, além de um período como conselheiro da Sociedade Rural Brasileira.

Ao chegar ao Palácio da Alvorada na noite desta quarta, Bolsonaro foi questionado sobre a saída de Salles, mas não deu detalhes.

"Ele pediu para sair. Ele pediu para sair, então ele que tem que falar porque pediu", disse Bolsonaro a apoiadores, em fala transmitida por um site bolsonarista.

Salles deixa a Esplanada em meio a uma investigação da PF sobre um esquema de contrabando de madeira e criticado por ambientalistas pelo avanço do desmatamento na Amazônia.

A corporação apura suspeitas de crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando que teriam sido praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.

Salles também é alvo de um inquérito que investiga sua suposta atuação para atrapalhar a apuração da maior apreensão de madeira do Brasil, feita na Operação Handroanthus.​

Desde a deflagração da operação da PF, Salles submergiu. A maior parte da agenda oficial do ministro passou a ser composta por despachos internos ou por dias sem compromissos oficiais.

Na terça (22), em evento de lançamento do Plano Safra no Palácio do Planalto, Salles compareceu e foi elogiado por Bolsonaro. "Você faz parte dessa história, Ricardo Salles, desse casamento da agricultura com o meio ambiente, foi um casamento quase perfeito. Parabéns, Ricardo Salles, não é fácil ocupar o seu ministério. Por vezes, a herança fica apenas uma penca de processos", afirmou o presidente na ocasião.

Nesta quarta, após publicação de sua exoneração no Diário Oficial da União, Salles fez um pronunciamento à imprensa. Não houve possibilidade de perguntas por parte da imprensa.

"Entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses e de anseios e de esforços. E para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido", disse o ministro.

Segundo um auxiliar de Salles, o ministro procurou o presidente e apenas disse que achava que agora era o momento de deixar o cargo, o que foi aceito por Bolsonaro.

Nesta quarta, Salles disse entender que desempenhou "da melhor forma possível" o cargo de ministro ao longo de dois anos e meio. O agora ex-ministro afirmou ter procurado colocar em prática desde o primeiro dia as orientações de Bolsonaro para a pasta.

"Orientação esta que foi equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, cuidado com todos os aspectos daquele ministério. Ao mesmo tempo, respeito também ao setor privado, ao agronegócio, ao produtor rural brasileiro, aos empresários de todos os setores, de mineração, imobiliário, setor industrial", afirmou o ministro.

Seu período à frente do ministério foi marcado por uma forte agenda de desregulamentação ambiental, pelo aumento dos índices de desmatamento e por choques com negociadores internacionais especializados em clima.

Maio foi o pior mês de avisos de desmatamento na Amazônia nos últimos anos, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No período, foram emitidos alertas em uma área correspondente a 1.391 km².

O ex-ministro era visto por negociadores estrangeiros como um obstáculo para uma efetiva política de redução do desmatamento. Mudanças encampadas por ele no modelo de gestão do Fundo Amazônia, por exemplo, levaram os governos de Alemanha e Noruega —os principais doadores— a suspender repasses para o mecanismo.

Mais recentemente, as negociações sobre cooperação internacional com o governo dos Estados Unidos foram congeladas em meio aos desdobramentos das investigações contra Salles.

Salles também ficou conhecido por ter usado uma frase que acabou resumindo sua agenda de afrouxamento de regras de proteção do meio ambiente. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, tornada pública por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), Salles afirmou que era preciso aproveitar a atenção dada pela imprensa à pandemia para "ir passando a boiada".

“Precisa haver um esforço nosso aqui, enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse na ocasião.

A demissão de Salles deve ter reflexo nas investigações que ele responde no STF. Em conversas reservadas, o ministro Alexandre de Moraes, relator de um dos casos, afirmou que deve aguardar os advogados pedirem a remessa da investigação à primeira instância para, depois disso, solicitar parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República). Após essas etapas, ele deverá definir o destino da apuração contra Salles.

Em casos semelhantes, o Supremo enviou inquéritos de ministros ao primeiro grau, uma vez que a exoneração do cargo leva à perda do foro especial que atrai a competência do tribunal.

Isso aconteceu, por exemplo, com os inquéritos contra Eduardo Pazuello e Abraham Weintraub.

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