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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Descrição de chapéu marco temporal COP28

Floresta protegida por indígenas garante chuva e temperaturas decentes para agronegócio suicida

Povos indígenas são um dos últimos anteparos que impedem o agro brasileiro de arrancar os próprios pés com uma motosserra

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É uma coincidência macabra que, na mesma semana de mais uma onda de calor "atípico" em território brasileiro —a nona deste ano—, tenham acontecido duas outras coisas:

1) A derrubada, no Congresso, dos vetos presidenciais ao projeto do marco temporal para a demarcação de terras indígenas;

2) A conclusão pífia da COP28, última edição das conferências climáticas da ONU, com avanços apenas simbólicos para o controle da queima de combustíveis fósseis e da crise climática causada por eles.

Há, é claro, um fio de desgraça, como se tecido por uma aranha infernal, a conectar os três fatos, mostrando que "coincidência" não é bem o que está acontecendo.

Indígena em acampamento no gramado da Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre - Pedro Ladeira - 24.abr.2019/Folhapress

A trama que liga os três eventos pode ser resumida da seguinte maneira: por uma ironia cruel, os povos indígenas do Brasil são um dos últimos anteparos que impedem o agronegócio brasileiro de arrancar os próprios pés com uma motosserra. Que o "agro ogro" esteja tão ávido por provocar a própria amputação não torna essa afirmação menos verdadeira.

Todo brasileiro deveria estar careca de saber o que esta Folha mostrou em reportagem de alguns meses atrás, e que inúmeros estudos já tinham constatado: a demarcação de terras indígenas tem forte impacto positivo no controle do desmatamento.

Enquanto cerca de um quarto do bioma amazônico já foi desmatado fora dos territórios oficialmente destinados aos povos originários, o número é de apenas 1,5% dentro das terras indígenas. Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), é a categoria de terras mais preservada, mesmo quando comparada a áreas protegidas exclusivamente voltadas para a proteção da biodiversidade.

Isso não está sob discussão: é fato. Outro fato incontornável é que, além da emergência climática que tem origem e efeitos globais, o clima amazônico —e, por tabela, de boa parte do resto do Brasil e da América do Sul— está mudando graças a fatores que são locais e regionais.

A presença da floresta molda a temperatura e os níveis de chuva da região, em parte porque ela recicla a própria umidade em forma de nuvens. Retirar a floresta equivale a diminuir consideravelmente as chuvas da amazônia, e ao mesmo tempo, a aumentar a temperatura local e regional —dependendo da taxa de desmatamento no entorno, em até 4°C, conforme mostrou estudo também noticiado pela Folha.

Não é preciso ter doutorado em agronomia para perceber que alterações desse tipo têm potencial desastroso para qualquer forma de agricultura em larga escala, em especial quando se considera o impacto adicional dos outros processos de mudança climática e pancadas como a intensidade do atual El Niño. Afinal de contas, não dá para cobrir milhões de hectares de soja com uma redoma de ar condicionado.

O bizarro, portanto, é que o agronegócio brasileiro continue de bocarra tão aberta para devorar terras ainda pouco devastadas, em especial quando já estão pedindo socorro ao erário por conta das ondas de calor deste ano. Seria mais barato —inclusive para os bolsos de todos os brasileiros— se elas ajudassem a garantir que o desmatamento não avance e inclusive apoiassem a demarcação de mais terras indígenas. Garantiriam, assim, no mínimo, um suprimento mais seguro de recursos hídricos para si próprios.

O fato de que os congressistas embolsados pelo agro não o fazem indica que, debaixo da pele modernosa de quem se diz "pop", "tech" e "tudo", encontraremos o exoesqueleto de gafanhotos. Não são agricultores: são mineradores, dispostos a deixar voçorocas atrás de si com a velocidade mais rápida possível. Seu modelo de negócios é encher a conta bancária de seus filhos, empobrecendo os nossos netos.

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