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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Substância psicodélica faz ratos de laboratório sonharem acordados, diz estudo

Teste feito com roedores lança nova luz sobre ação de molécula presente em rapé utilizado pelos yanomamis

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Meu colega e mentor Marcelo Leite, também jornalista de ciência desta Folha, acertou em cheio ao usar o termo "psiconautas" para batizar seu livro sobre pesquisas com drogas psicodélicas. De fato, o estudo dessas substâncias equivale a içar velas no oceano ainda ignoto do funcionamento do cérebro. E a mais nova ilha a ser descoberta nesse pélago profundo é a capacidade de sonhar acordado.

Em suma, é isso o que descobriu uma equipe de pesquisadores brasileiros, que acaba de publicar os resultados de seu trabalho no periódico especializado Scientific Reports. O estudo tem como primeiros autores uma dupla de irmãos, Annie e Bryan Souza, do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande Norte). A empreitada psiconáutica dos irmãos e de seus colegas teve como protagonistas um grupo de ratos de laboratório e, como combustível, o composto psicodélico 5-MeO-DMT.

Rato mantido em laboratório - Tom Little/Reuters

Trata-se de uma molécula já empregada tradicionalmente por etnias como os yanomamis –ela está presente num rapé inalado em cerimônias desse povo, feito a partir de plantas, o angico e a virola. Também é encontrada em secreções de uma espécie de sapo que vive na fronteira entre os EUA e o México. Em contextos rituais tradicionais, a substância funciona como enteógeno, ou seja, um facilitador de experiências espirituais.

Embora já existam vários estudos com o 5-MeO-DMT em animais de laboratório, a maioria deles envolvia cobaias anestesiadas, o que acaba afetando a análise dos efeitos do psicodélico sobre a atividade cerebral. Os irmãos Souza buscaram analisar em tempo real o que acontecia nos cérebros dos roedores despertos, por meio de eletrodos que mediam a atividade elétrica dos neurônios (células nervosas).

Supervisionados por Sidarta Ribeiro (da UFRN e do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, no Rio) e Vítor Lopes-dos-Santos, eles ministraram o 5-MeO-DMT aos ratos enquanto monitoravam duas regiões-chave do cérebro, o hipocampo e o córtex pré-frontal. (O hipocampo é essencial à memória, enquanto o córtex pré-frontal é uma espécie de gerenciador das atividades conscientes do cérebro, como o planejamento de ações.) Um grupo de 17 ratos adultos do sexo masculino foi usado no experimento.

O resultado? Eis como Ribeiro resumiu o cenário em conversa com este colunista por email.

"O 5-MeO-DMT induz em ratos um estado comportamental de vigília contínua", explicou-me ele. Por outro lado, "as ondas cerebrais obtidas do hipocampo e do córtex pré-frontal mostram a manutenção do ciclo sono-vigília. Ou seja, o corpo está acordado, mas o cérebro alterna entre estar desperto e dormindo".

É possível detectar esse cenário paradoxal porque o monitoramento dos neurônios mostra um revezamento entre os dois estados principais do sono: o de ondas lentas e o sono REM (sigla inglesa de movimento rápido dos olhos, associado aos sonhos). "Esse fenômeno talvez possa explicar por que as pessoas, sob efeito de psicodélicos, alternam momentos de extroversão e introversão", diz Ribeiro.

Vale lembrar que nada disso corresponde a simples curiosidade (embora, é claro, seja extremamente curioso perceber que esses estados podem se misturar dessa maneira num mesmo cérebro). Há um interesse crescente no uso controlado dos psicodélicos para tratar uma série de distúrbios mentais. Saber exatamente como eles operam pode abrir espaço para formas insuspeitas de cura –além, é claro, de mostrar que o funcionamento do cérebro pode ser muito mais contraintuitivo do que sonha a nossa vã filosofia.

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