Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Descrição de chapéu Dengue clima

Emergência climática e caos urbano turbinam desafios da dengue

Temperatura alta é ideal para reprodução do Aedes; vacina pode não ser panaceia

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Não existem respostas fáceis para a crise de saúde pública desencadeada no país pela dengue e, em menor medida, por outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Recordar, por exemplo, que o Brasil chegou a ser "território livre de Aedes" entre os anos 1950 e o fim dos anos 1970 parece quase ficção científica hoje. Nesta coluna, tento contextualizar os principais fatores que levaram à complicada situação deste ano e abordar os caminhos que temos à frente –alguns promissores, nenhum milagroso.

A primeira coisa a ter em mente é que não dá para menosprezar o fator climático. As temperaturas globais e brasileiras vêm batendo recordes seguidos desde o início deste século, e 2023 e 2024 têm sido pontos ainda mais fora da curva quando o assunto é calor. Nada melhor para um inseto como o Aedes aegypti.

Funcionário preparado para pulverizar inseticida contra o Aedes aegypti em Nova Betânia, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters

O que acontece é que o calorão permite ao invertebrado completar seu ciclo de vida com o pé no acelerador. Em temperaturas superiores a 30 graus Celsius, por exemplo, as fêmeas botam três vezes mais ovos do que a 20 graus Celsius. Além disso, as larvas do bicho saem dos ovos na metade do tempo quando a temperatura passa de 20°C para 30°C.

Esse mesmo fator também afeta diretamente –e, do nosso ponto de vista, para pior– os mecanismos da transmissão de vírus por parte do inseto, e não apenas o sucesso do bicho na reprodução. O tempo que leva entre a fêmea do mosquito picar uma pessoa com dengue e se tornar capaz de transmitir o vírus para outra vítima também cai pela metade no calor. E a fêmea alcança o pico de sua voracidade para sugar sangue humano em temperaturas que vão de 30°C a 35°C.

Diante desse cenário, é óbvio que é importante fazer de tudo para mitigar a crise climática, mas estamos falando de algo que nem de longe depende só dos esforços brasileiros. O controle do mosquito em si ainda é a chave –e, quanto a isso, enfrentamos outros problemas.

Buscar a erradicação do Aedes em 2024 é bem diferente do que foi nos anos 1950. Temos uma população quatro vezes maior, uma estrutura urbana muito mais caótica, conexões regionais, estaduais e internacionais muito mais intensas (pelas quais os mosquitos e seus ovos conseguem viajar). A crise climática também potencializa esses desafios –um estudo de 2022, por exemplo, mostrou o avanço recente da doença para mais de 60 municípios da região Sul que nunca tinham tido transmissão comunitária (grosso modo, constante) da dengue antes. É como se a "casa" do mosquito tivesse ganhado um cômodo novo de uma hora para outra.

Boa parte do mundo conseguiu vencer outra doença ainda mais séria transmitida pelo A. aegypti, a febre amarela, por meio da vacinação. Existem alternativas promissoras nesse sentido no caso da dengue, uma delas desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan e próxima de ser submetida à aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mas a complexidade do vírus da moléstia recomenda alguma cautela.

Por ter quatro subtipos bastante diferentes entre si, o vírus da dengue interage com o sistema de defesa do organismo de forma distinta dependendo do subtipo causador da infecção. Esse processo parece ter a ver, por exemplo, com o risco mais alto de dengue grave quando ocorre uma segunda infecção por um subtipo diferente do que causou a primeira.

O ideal é que uma vacina produza uma proteção bem balanceada do organismo aos quatro subtipos sem produzir esse problema, mas é algo que ainda precisa ser acompanhado em detalhes numa população tão grande quanto a nossa. Faz sentido, por enquanto, não vacinar com a mesma intensidade empregada contra a Covid.

Em suma, além de não descuidar do básico, eliminando o máximo possível de criadouros e mosquitos, o melhor caminho é investir em ciência e inovação, com financiamento adequado. Gente qualificada nas áreas relevantes o Brasil tem de sobra. O que falta é visão estratégica para ajudá-las a ir com tudo para cima do mosquito e do vírus.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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